No final, Álvarez declarou a um jornal bogotano que havia no país “avanços muito importantes” em algumas matérias, como a Lei de Vítimas. Porém, que também havia falhas e ausência de realizações em matérias-chave como o assunto do deslocamento de populações e a atuação dos “bandos criminosos (...) que têm todo o sentido e a lógica dos para-militares”.
O alto funcionário estimou que havia desigualdades “estruturais” que ainda não foram revertidas. Citou, em particular, a “discriminação à população afro e à população indígena” (sic). Álvarez viu que em matéria de justiça havia uma curiosa contradição: que há um “grande número de desmobilizados” e “na hora dos julgamentos (...) as sentenças e culpados são poucos”.
Lamentavelmente, Emilio Álvarez não viu o principal problema do país em matéria de violação dos direitos humanos: as atrocidades que diariamente as FARC e o ELN cometem, e a impunidade de que gozam os FARC-políticos. Esse grande tema desapareceu ante seus olhos de maneira perfeita e como por encanto. Em outras palavras, Emilio Álvarez entrou na jaula do tigre e não viu o tigre. A prova disso é que foi incapaz de dizer uma só palavra sobre esse tema, pois colocou as atrocidades quotidianas dessa gente em um saco furado que ele comodamente chamou de “conflito armado”.
Como esses crimes são produto de um “conflito armado”, não há por que mencioná-los nem denunciá-los, segundo ele, como violações graves aos direitos humanos. Nesse terreno, o único aspecto que Emilio Álvarez viu foi o da justiça penal militar. E o que ele disse é muito estranho:
“Sabemos que há um conflito armado na Colômbia, que se tem que estabelecer um mecanismo legal que permita nesse caso gerar uma condição de eqüidade processual para que um soldado e um transgressor da lei sejam processado nos mesmos termos, e que um soldado não seja condenado a 40 anos e um transgressor a oito, por exemplo”.
Por que Emilio Álvarez equipara “um soldado” com um “transgressor da lei”? Todo soldado é in pectore um transgressor da lei? Essa é sua noção da “eqüidade processual”? É isso que se deve esperar de um funcionário internacional que entra no país com o respaldo da CIDH e da Presidência da República?
Lendo essas declarações a pessoa se dá conta de que o conceito de “conflito armado” é uma espécie de laboratório de muros transparentes, rodeado de funcionários patenteados em Direitos Humanos que intervêm só para acusar os agredidos. Os agressores têm direito de fazê-lo pois estão, precisamente, em um “conflito armado”. Não deve escandalizar a ninguém se os terroristas atacam os representantes do Estado e a sociedade, pois isso ocorre dentro de um “conflito armado”.
Outra conclusão que se depreende das declarações do senhor Álvarez é que os terroristas são simples “transgressores”. As selvagerias que cometem (tráfico de drogas, seqüestros, fuzilamentos, semeadura de minas terrestres, assassinatos, atentados contra os civis e contra os agentes da força pública, derrubada de aeronaves, assaltos a povoados, demolições de infra-estruturas, desalojamento de comunidades inteiras, roubos de terras, envenenamento de águas, incêndios, etc.) são simples “transgressões”, quer dizer, violações leves do código penal.
A visão deficiente, para não dizer tendenciosa, que exibiu o senhor Álvarez durante sua visita à Colômbia, também foi confirmada pelo que disse sobre os processos em curso contra os militares que recuperaram o Palácio da Justiça de Bogotá, tomado e incendiado por terroristas em 1985. Emilio Álvarez disse o seguinte: “Esse é um caso que está às portas da Corte (Suprema de Justiça) porque há evidência de que houve gente que saiu viva mas que de repente desapareceu. Há vídeos, há material, há evidência. Esse caso está em discussão e está nas portas”.
Todo esse parágrafo é incorreto. Emilio Álvarez não se perguntou por que os únicos não culpados são precisamente os militares que tiveram um papel legítimo nesse episódio sangrento e não se perguntou por que os agressores, os autores sobreviventes desse espantoso crime contra a justiça colombiana, que estão livres após haver participado na tomada de decisão política e na ação desse assalto, não foram ainda objeto de um processo.
Vê-se que Emilio Álvarez não conhece esse tema, pois ele se equivoca ao dizer que “há evidência de que houve gente que saiu viva (do Palácio) mas que de repente desapareceu”.
Há onze meses que se derrubou a crença de que o Coronel Alfonso Plazas Vega tinha algo a ver com os supostos “desaparecidos” do Palácio da Justiça. O Tribunal Superior de Bogotá (TSB) reduziu esses desaparecidos de onze para dois e, na mesma data, o magistrado relator, Hermens Darío Lara Acuña, em seu salvamento de voto pediu a absolvição do Coronel Plazas, pois ele tampouco tinha nada a ver com os dois “desaparecimentos” restantes.
Só os magistrados do TSB confirmaram, é certo, a sentença de primeira instância contra o Coronel Plazas, por dois supostos desaparecidos - o administrador da cafeteria e a guerrilheira Irma Franco -, mas como tampouco há provas sobre esses dois “desaparecimentos”, o TSB teve que basear sua decisão não unânime na doutrina de um jurista alemão, Klauss Roxim, que não tem nada a ver com o sistema penal colombiano, como Roxim mesmo disse. O reaparecimento desse enorme erro judicial, o mais escandaloso da história do Direito na Colômbia, é o que a Corte Suprema de Justiça está a ponto de fazer. Emilio Álvarez está mal informado e uma semana na Colômbia não foi suficiente para ele ver mais claro.
Tradução: Graça Salgueiro
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