por José Nêumanne Com O Estado de São Paulo
“A chapa que foi absolvida por excesso de provas”, desabafou Renata Lo Prete na GloboNews ao
noticiar a absolvição por 4 X 3 da reeleição de Dilma Rousseff e Michel
Temer em 2014. “Absolvição por excesso de provas é anomalia do
Direito”, disse o procurador-geral do Ministério Público do Estado de
Pernambuco, Francisco Dirceu Barros, citado por Renata Bezerra de Melo
em coluna no jornal recifense Folha de Pernambuco.
“Como juiz, eu rejeito o papel de coveiro de prova viva. Posso até
participar do velório, mas não carrego o caixão”, ironizou o relator da
ação do derrotado PSDB contra a chapa vencedora no Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), ministro Herman Benjamin. A grande maioria da Nação,
decerto, compartilha esses desabafos de frustração. Qualquer um tem todo
o direito de se indignar, mas não de se surpreender com absolvição de
Temer e Dilma pelo TSE
Essa tal ação teve prólogo, contexto e epílogo com episódios dignos de
nota, alguns de espantar armaduras de aço inoxidável e fazer corar
frades de pedra. Começou com a omissão do PSDB, que então se dizia o
maior partido de oposição do Brasil e negligenciou a possibilidade legal
de fiscalizar a contagem de votos eletrônicos no TSE, por não ter
negociado por preguiça a aprovação de uma lei para permitir a
fiscalização da apuração final pelos partidos disputantes. Optou por
chorar sobre o leite derramado e, depois do resultado final anunciado e
aceito e os vencedores devidamente cumprimentados, pedir uma recontagem
de votos. É claro que a recontagem impossível nada trouxe de novo, mas,
antes de ter isso sido noticiado, o candidato derrotado, dublê de
presidente nacional do partido, senador Aécio Neves (MG), ainda ao longo
do ano eleitoral de 2014, moveu essa ação aparentemente sem futuro
algum. Ela chegou a parecer enterrada quando a professora Maria Thereza
de Assis Moura, formada e doutorada na sede da sabedoria acadêmica
liberal no Brasil, a Faculdade de Direito da USP, no Largo de São
Francisco, mandou-a para os arquivos de forma peremptória e sem reações
negativas notáveis do plenário da Corte.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, sempre leal a seus
amigos tucanos, contudo, trouxe-a de volta das gavetas ao debate e
conseguiu aprovação da maioria dos colegas para reabri-la. Das mãos da
convicta acadêmica petista a relatoria saiu diretamente para as de
Herman Benjamin, um juiz competente, culto e inimigo mortal de
corruptos, corruptores e corrupção. De repente, o processo ganhou novo
fôlego com a permissão dada para usar provas colhidas pela força-tarefa
da Lava Jato, que ganharam mais consistência com a delação, dita do fim
do mundo, de 77 executivos e ex da Odebrecht. Até então, o TSE nunca
passou de uma instância para coonesgar a contabilidade, digamos,
criativa dos partidos políticos, cujas prestações de contas não são de
maneira alguma confiáveis. A reputação do órgão dito fiscalizador tem
sido enxovalhada sempre que algum político denunciado por agentes e
procuradores federais usa o mote “declaração de contas aprovada pela
Justiça Eleitoral” para ocultar seus malfeitos. Tudo mentira, é claro.
Embora gaste diariamente R$ 5,4 milhões de
suado dinheiro público nesta angustiante crise econômica, o TSE não
dispõe de um quadro adequado de fiscais sequer para ler com algum
interesse as peças de ficção que lhe são apresentadas sob a imprecisa
definição de “prestação de contas”. Salvo alguma exceção desconhecida e
improvável, na verdade, as contas não prestam e não chegam sequer a ser
analisadas, quanto mais aprovadas ou reprovadas. Trata-se simplesmente
de uma lavanderia de fundo sujo partidário, seja sob a forma de propina
em espécie, entregue em malas e mochilas, anotações do chamado caixa 2 e
doações oficiais disfarçadas. No conjunto de depoimentos e documentos
colhidos na investigação e no trabalho do relator ficou demonstrado o
fato inequívoco de que a reeleição de Dilma e Temer, em 2014. ocorreu
mercê da maior fraude eleitoral de uma história que começa com as
eleições de bico de pena na República Velha e tinha tudo para terminar
com chave de ouro com a punição dos responsáveis pelo descalabro inédito
neste século 21.
No entanto, tudo levou para o desfecho de sempre. E quando parecia que
poderia desembocar num acordão de escroques com a cassação da chapa, a
manutenção dos direitos políticos do vice que virou presidente e a
completa perda de direitos da “presidenta” que virou carta fora do
baralho, o julgamento, que estava marcado para abril, foi adiado para
que se ouvissem testemunhas selecionadas da lista da megadelação da
Odebrecht.
Com as oitivas o calendário teve de ser esticado e dois ministros foram
sucedidos por substitutos do próprio TSE indicados por um dos acusados, o
presidente da República. Desde o Código de Hamurabi, aplicado na
Babilônia e até hoje exposto no British Museum em Londres, o professor
Michel Miguel Temer Lulia, lente de Direito Constitucional na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, tornou-se o único réu do mundo a
indicar dois de sete encarregados de julgá-lo.
É claro que ambos teriam de se declarar impedidos, mas que juiz, de
qualquer instância, na injustiça geral brasileira, se exime de julgar
parentes, amigos ou apaniguados? Porventura Dias Toffoli se abstém de
julgar seus antigos patrões do PT? O presidente do próprio TSE, Gilmar
Mendes, não concedeu habeas corpus a Eike Batista, cliente do escritório
do advogado Sérgio Bermudes, do qual sua consorte, Guiomar, é sócia em
Brasília?
Admar Gonzaga, duplamente suspeito, de vez que advogou para a ré Dilma
Rousseff na eleição de 2010 e foi nomeado pelo vice da chapa, Michel
Temer, não apenas votou como tentou desqualificar o relator, chamando-o
de mau colega, dizendo-se por ele constrangido. E acompanhou até no
estilo indelicado os colegas Tarcísio Vieira e Napoleão Nunes Maia Filho
na dissidência que matou as provas vivas e ressuscitou o governo zumbi
de Temer e o direito de Dilma ser “merendeira de escola”.
Esse direito, aliás, adquirido num episódio que até o de sexta-feira 9
de junho próximo passado era o mais nauseabundo do Judiciário no Brasil:
o fatiamento do artigo 52 da Constituição da República para permitir à
presidente deposta ocupar cargo público. Em maio de 2016, esse estilo
Jack, o Estripador (ou “só se for a pau, Juvenal”) foi usado pelo então
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e pelo presidente do
Supremo, Ricardo Lewandowski. Gilmar Mendes, colega deste, pisou nos
calos de Minerva, deusa da sabedoria dos antigos romanos, para bater o
último pênalti e correr para abraçar o poderoso chefão do Poder
Executivo, de quem se orgulha de ser amigo do peito. Com nome de goleiro
campeão, o ministro artilheiro, que mata provas vivas e ressuscita
governos mortos, ainda teve o desplante de dizer que o tribunal que
preside funciona como uma academia para averiguar deslizes e denunciar
fraudes cometidas por partidos de bandidos em eleições. Vôte!
Trata-se de uma Minerva burra e de uma academia que nada ensina a
ninguém. Nem serve de exemplo. Com seu voto de desempate, o
excelentíssimo senhor ministro boquirroto jogou a pá de cal no enterro
da reputação de uma instituição que nunca honrou o dinheiro público que
desperdiça. Qualquer reforma constitucional de mínima vergonha, como
exigia o historiador Capistrano de Abreu e recomendam agora os juristas
Modesto Carvalhosa, José Carlos Dias e Flávio Bierrembach, deveria ter
como principal objetivo simplesmente extinguir essa lavanderia de
propinas, caixa 2 e doações.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSOT
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