Ruy Castro: Folha de São Paulo
No calçadão de Ipanema, o homem veio em zigue-zague na minha direção.
Parecia um bebum de comédia, mas aquilo não tinha nada de engraçado
-eram 9h da manhã e, pelo seu estado, o sujeito estava há meses na
ativa. Como outros 24 milhões de brasileiros, não era um bebedor
recreativo. Quando nos aproximamos, tentei calcular para que lado ele
iria a fim de sair pelo outro. Mas ele fez o mesmo, e o resultado foi um
"pas de deux" pastelão que durou vários segundos.
Finalmente, quando nos resolvemos, ele passou por mim e exclamou: "Você tá mal, hein?". Aquilo, sim, foi engraçado.
Pouco depois, ainda no calçadão, vi um garoto de cerca de 10 anos
atracado a uma garrafa contendo o que poderia ser soda, éter, acetona,
aguarrás, gasolina, benzina, removedor de tinta, cola de sapateiro,
fluido de isqueiro ou cheirinho da loló - o que estivesse ao alcance de
seu nariz ou boca. A poucos metros, sob as bênçãos de Bob Marley,
vendedores de artesanato fumavam maconha com tranquilidade -o cheiro
suplantava o da maresia.
Mais tarde, na rua Pedro Lessa, no centro, passei pela cracolândia na
lateral da Biblioteca Nacional -a menor do Rio, mas suficiente para
expulsar as barraquinhas de LPs e revistas antigas que funcionavam ali
há décadas. E, pelo que ouço de amigos, já há toda uma geração
prisioneira do Rivotril e outra, em formação, de Ritalina. Os médicos
são liberais ao receitar estimulantes e depressores, mas pouco
eficientes em retirá-los.
Fingimos não ver, mas, no Brasil, toda droga que puder ser fumada,
bebida, inalada, engolida, aspirada, induzida ou injetada o será e
continuará sendo, sem nenhum esforço notável de esclarecimento,
prevenção, controle, tratamento e cura por parte das autoridades.
Quantos ministros da Saúde tivemos nos últimos anos? Na minha opinião, nenhum.
exttraídaderota2014blogspot
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