editorial do Estadão
O Partido dos Trabalhadores (PT) abre hoje em Salvador seu 5.º
Congresso, mergulhado em conflitos e contradições que são o resultado
dos 12 anos em que, a partir de avanços sociais importantes ameaçados
agora de se perderem, fingiu reinventar o Brasil, na verdade
dedicando-se prioritariamente ao desfrute do poder e ao projeto de nele
se perpetuar. Até sábado, haverá muita discussão na tribuna e nos
bastidores do encontro, mas, ao final, prevalecerá a vontade do
mandachuva Lula, com a aprovação de um documento com o sugestivo título
de Carta de Salvador.
Essa proclamação deverá sinalizar discretamente uma guinada à esquerda,
usando as palavras mais para salvar as aparências – como a de que todo o
partido apoia o governo – e tentar manter o PT vivo, do que para
apontar caminhos para salvar o País do buraco em que o afundou sob o
desastrado comando de Dilma Rousseff. Será mais uma peça de retórica.
Na verdade, embora os petistas não se permitam colocar a questão nesses
termos, o grande tema com que este 5.º Congresso terá que se haver é o
exaurimento de um projeto de poder fundado no delírio populista de
político profissional cujo carisma – agora decadente – só não era maior
do que o oportunismo com que alavancou sua ascensão política e social.
Lula jamais foi um político de esquerda. Sua “metamorfose ambulante”,
como ele próprio definiu sua trajetória de sindicalista “autêntico” a
cacique de partido, revela um político sagaz, pragmático, sempre pronto a
mudar de atitude e de opinião ao sabor das conveniências.
Quando se projetou nacionalmente como líder dos metalúrgicos do ABC
paulista, Lula encantou os intelectuais e acadêmicos de esquerda pelo
radicalismo com que repudiava a política e os políticos, proclamando
lutar exclusivamente pelos direitos trabalhistas dos operários fabris
que representava – trabalhadores que, diga-se de passagem, integravam a
elite da massa operária no País. Lula se tornou político, mas seu
esquema mental permaneceu o mesmo, apenas trocando a ideia de “operários
vs. patrões” pela de “povo vs. elite”, ou “nós vs. eles”. Como todo
ilusionismo, o esquema lulopetista foi-se tornando, pela repetição, um
truque barato.
Agora, no desespero de ver sua nau fazendo água, os petistas preparam-se
novamente – porque não sabem fazer diferente – para empurrar o problema
com a barriga com uma proclamação tão conciliadora quanto possível, na
esperança de que venham dias melhores. Mas o “centralismo democrático”
que impera no comando do partido não parece suficiente para impedir que
lideranças mais radicais voltem a aflorar com propostas esquerdizantes –
afinal, para todos os efeitos, o PT é um partido “de esquerda”.
Além da ideia de uma “nova política de alianças” que conta com as
simpatias também de Lula, mas é mais difícil de fazer do que de falar,
não poderia faltar no elenco de temas capazes de incendiar as discussões
no congresso o da “democratização dos meios de comunicação”.
Desde sempre o PT considera os grandes veículos de comunicação – a
quintessência das “elites” – os principais culpados por tudo o que não
dá certo para ele. A maior parte das lideranças petistas mais radicais
não chega a propor abertamente a censura à Imprensa, mas essa intenção
transparece claramente numa versão preliminar da Carta de Salvador que
trata da questão dos “instrumentos de poder” e será discutida no
encontro na capital baiana: “Em contraposição a outras nações
latino-americanas sob governos progressistas, o PT e suas administrações
deixaram de alterar instituições e instrumentos de poder da velha
oligarquia”.
Quer dizer: ao contrário dos “governos progressistas” dos quais os
petistas morrem de inveja – Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina
–, os governos do PT cometeram o erro imperdoável de não impor
restrições de conteúdo – eufemismo para censura – ou de natureza
econômica para os veículos de comunicação independentes. Os petistas
acham que, além de “alterar instituições e instrumentos de poder”, é
preciso que o partido invista em veículos de comunicação de massa
próprios, como jornais de circulação gratuita, e em uma TV via internet.
O capital necessário se arranja – é o que deve imaginar a
companheirada.
extraídaderota2014blogspot





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