No ano da eleição, políticos governistas receberam 93% das
liberações de emendas individuais ao Orçamento da União
OPINIÃO - GIL CASTELLO BRANCO
O diplomata e escritor português Eça de Queiroz dizia de
forma irônica: “Os políticos e as fraldas são semelhantes, possuem o mesmo
conteúdo.” Nesse contexto, as vésperas das eleições são marcadas por um
festival de promessas, a maioria com pernas curtas.
No Brasil, é conhecida a estratégia dos candidatos
governistas de prometerem mundos e fundos do orçamento da União para os seus
estados e as suas cidades ao argumento de que os favores serão obtidos por meio
da proximidade que possuem com as autoridades federais. Nessas últimas
eleições, a prática alastrou-se.
Ao longo da campanha, muitos procuraram mostrar intimidade
com os principais caciques políticos, utilizando fotos e gravações em áudios e
vídeos. Foram espalhados diversos “santinhos” de “Zés e Manés”,
preferencialmente com Dilma e Lula, que ainda compareceram aos comícios dos
mais ilustres.
Caracterizada a “amizade”, os pretendentes aos cargos
executivos juraram que com recursos federais serão construídos postos de saúde,
escolas, hospitais, creches entre várias benfeitorias. Em outras palavras,
ofereceram aos eleitores passaporte para o Paraíso, desde que votassem nos
amigos da rainha. Para grande parte dos políticos, não há duvida, o orçamento
federal é mesmo a “casa da mãe Joana”.
Caso as leis fossem seguidas à risca, a moralidade seria
maior. Em 1999, um grupo de técnicos do Congresso Nacional em visita ao
Parlamento dos Estados Unidos trouxe de lá a ideia de inserir na Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) impedimento para o uso político do orçamento da
União. Desta forma, há mais de 10 anos, consta nas legislações orçamentárias o
seguinte: “(..)A execução da Lei Orçamentária obedecerá aos princípios
constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência na Administração Pública, não podendo ser utilizada para influir na
apreciação de proposições legislativas em tramitação no Congresso Nacional.”
Legalmente, portanto, os recursos relacionados às emendas
parlamentares — por onde fluem os pedidos dos prefeitos — ou ainda a qualquer
transferência voluntária não estão atrelados à boa vontade dos governistas de
plantão.
Na prática, porém, não é bem assim. Os prefeitos, em
“dobradinha” com os deputados federais e senadores, sugerem emendas que são
incorporadas ao orçamento da União. A partir daí, os “iguais” se tornam
“diferentes”. Quando interessa ao Executivo, os valores são liberados de forma
individual e cirúrgica, via de regra às vésperas de votação ou de fato político
importante.
Desta forma, talvez não seja mero acaso o senador Marcelo
Crivella (PRB/RJ) ser o recordista dentre os que mais conseguiram “empenhos”
(compromissos assumidos para posteriores pagamentos) para atendimento dos seus
pleitos. Em 2012, o ministro da Pesca obteve empenho de R$ 10,4 milhões para a sua
proposta de melhoria das condições de assentamentos precários. Vale lembrar que
Crivella foi nomeado ministro para que o seu partido apoiasse a candidatura de
Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo.
A eleição paulistana também foi responsável pela senadora
Marta Suplicy ter assumido o Ministério da Cultura, em troca de sua
participação na campanha de Haddad. Aliás, por coincidência, a senadora também
é destaque dentre os que desatam os nós de suas emendas. A atual ministra da
Cultura conseguiu empenho de R$ 4,8 milhões para a estruturação de hospital em
Mauá, na região metropolitana de São Paulo.
Conforme levantamento do jornal “Correio Braziliense”, os
partidos da oposição — PSDB, DEM, PPS e PSol — receberam menos de 7% dos R$ 343
milhões empenhados pelo governo até 8 de outubro para atender às emendas
individuais. Já PMDB, PP, PT, PDT, PR, PSB e PTB abocanharam a maior parte dos
recursos. Guardadas as
proporções, quase um mensalinho.
Na verdade, o pano de fundo dessas emendas é a relação
promíscua entre os poderes Executivo e Legislativo, em barganha desenfreada
para atender a interesses políticos, partidários e pessoais. A atual oposição,
diga-se de passagem, critica de forma envergonhada o que praticava há anos.
Como é difícil imaginar que os próprios parlamentares irão
alterar esse costume político, é necessário que o Ministério Público, cumprindo
a LDO, questione na Justiça o uso histórico do orçamento federal em beneficio
dos apadrinhados. Caso contrário, até
que a democracia amadureça, a solução é ir trocando os políticos, exatamente
como fazemos com as fraldas.
Gil Castello Branco é economista e fundador da
organização não governamental Associação Contas Abertas





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