‘Tolerância continuada’, por Dora Kramer
PUBLICADO NO ESTADÃO
A quantidade de “braços direitos” envolvidos em escândalos nos
últimos anos não é exatamente um dado que conspire a favor do governo,
do PT, do ex-presidente Lula nem da imagem de austeridade da presidente
Dilma Rousseff, bordada com canutilho pelo departamento de propaganda do
Planalto.
Para citar os casos mais famosos ocorridos em ambiente de Palácio:
Valdomiro Diniz era braço direito de José Dirceu, que era braço direito
de Lula, que o substituiu por Dilma, que pôs no lugar Erenice Guerra,
que caiu na rede da suspeita por tráfico de influência, mesma acusação
que fez do braço direito do advogado-geral da União e de pessoa da
confiança do ex-presidente alvos de investigação da Polícia Federal.
Convenhamos, não é algo trivial. Tampouco a ser desconsiderado no
cômputo geral de “malfeitorias” cometidas na antessala do Poder central.
Na melhor hipótese demonstra o modo displicente do governo na
nomeação de auxiliares, ainda mais quando ocupantes de postos-chave, e a
total liberdade com que conseguem atuar longe de qualquer fiscalização
ou controle interno. Nunca são sequer importunados. Invariavelmente são
descobertos por denúncias publicadas na imprensa ou por operações de
iniciativa da PF.
Essa última, a Porto Seguro, durante longo tempo investigou entre
outros o advogado-geral da União adjunto e a chefe do escritório da
Presidência da República em São Paulo sem que os superiores deles se
dessem conta de suas atividades paralelas.
A polícia levou tempo para recolher provas que pudessem sustentar
as prisões e indiciamentos. Mas quem convivia com eles não precisaria de
mais que indícios de conduta reprovável para afastá-los das respectivas
funções.
E se atuavam livremente é porque ou tinham autorização ou no mínimo
se sentiam protegidos pela indulgência dos chefes em alguns casos e, em
outros, por temor da retaliação vinda do altar onde se instalavam seus
padrinhos.
Não é pequeno nem desprovido de razão o constrangimento do governo
petista com o indiciamento de Rosemary Noronha por corrupção e tráfico
de influência. A moça é poderosa, arrogante e abusa do direito de
demonstrar que tem as costas quentes. Características sobejamente
conhecidas nas cercanias do poder, aí incluído o Senado, “forçado” a
aprovar a nomeação de Paulo Vieira, um dos presos, para a agência de
Nacional de Águas em votação viciada, depois de duas rejeições.
As atividades ilícitas de “Rose” poderiam até ser desconhecidas,
mas as relações das quais emanavam sua força eram assunto corrente. Ela
foi secretária de José Dirceu que, no entanto, nesse caso entra apenas
como intermediário de uma indicação lavrada em cartório do “céu” e
assinada embaixo: Lula.
O trabalho de bastidor agora é de contenção de danos para evitar novos desdobramentos.
Por ora, o episódio ressalta a existência no governo de um ambiente
de tolerância, terreno fértil à impunidade que dá margem à reincidência
continuada. E não ajuda o PT a convencer a sociedade de que o Supremo
comete uma grande injustiça ao julgar com rigor ímpar o processo do
mensalão.
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