Os principais países desenvolvidos têm, todos eles, partidos conservadores que disputam e vencem eleições. Por que será que só aqui, no Brasil, os conservadores relutam em se admitir como tal?
Embora conservadorismo, na cabeça das pessoas, lembre mofo e bolor, a verdade é que o conservadorismo está voltando a ser levado a sério por aqui. E quais são as principais teses defendidas pelos conservadores?
A
principal delas afirma que é muita pretensão a nossa de querer virar o
mundo do avesso, ignorando toda a experiência, os ajustes e o processo
de tentativas e erros obtidos em milênios de civilização. Tal abandono
do passado pode ser útil no que tange às ciências exatas, mas revela-se
quase sempre desastroso quando aplicado às ciências humanas. Na História
humana, os grandes avanços sempre se deram pela evolução, nunca pela
revolução. As grandes revoluções, como a francesa ou a russa, sempre
foram muito eficientes na derrubada das instituições que já existiam,
mas nunca souberam como pôr outras melhores em seu lugar.
Outra
tese, dentre as principais, se resume numa frase proclamada por sir
Isaac Newton (1643-1727): àqueles que lhe indagavam como conseguira
formular a Teoria da Física Mecânica, respondia que nada fizera de mais,
apenas "se debruçara sobre os ombros de gigantes". Queria o cientista
inglês dizer que nada daquilo seria possível se não tivesse contado com o
conhecimento acumulado por todos os que o precederam. Os conservadores
também pensam dessa forma. A realidade tal qual a conhecemos é o produto
de milênios de tentativas, erros e acertos. Sendo assim, é muito pouco
provável que nós, modernos, venhamos a fazer alguma grande descoberta em
termos de moral ou de política.
Filósofos
de araque existem em profusão. Todos pregam mudanças radicais na
natureza humana. E foram justamente eles - que prometiam a perfeição do
homem e da sociedade - que transformaram grande parte do século passado
num verdadeiro inferno terrestre.
O
ceticismo quanto à perfeição humana é outro aspecto importante do
pensamento conservador. Nós conseguimos realizar mudanças na natureza
exterior. Já a natureza humana se tem mostrado praticamente imutável. O
conservador não acredita que exista algum homem tão acima da média, tão
isento de paixões e preconceitos que se possa com tranquilidade
entregar-lhe um poder sem limites. Assim sendo, a melhor forma de
governo é mesmo a democracia. Esta dispõe dos freios e contrapesos (checks and balances)
necessários para refrear logo no nascedouro qualquer tentação
totalitária. A sociedade possui anticorpos. E eles são acionados sempre
que há exorbitância de poder.
O
grande autor moderno do conservadorismo é Russell Kirk (1918-1994) e no
passado foi Edmund Burke (1729-1797). Este último, além de ter sido o
grande precursor dos princípios conservadores, notabilizou-se por ter
escrito um livro intitulado Reflexões sobre a Revolução em França, no
qual, ainda no calor dos acontecimentos, defende ardorosamente o sistema
político inglês - de reformas graduais, em contraposição ao extremismo e
às exorbitâncias que ocorriam do outro lado do Canal da Mancha. Depois
que Luiz XVI foi guilhotinado, em 1792, Burke voltaria ao tema,
argumentando que os franceses teriam cometido um erro político
gravíssimo: "Vocês ainda haverão de se arrepender amargamente deste ato.
Ao invés de fazer como a Inglaterra, que em 1688 promoveu todas as
reformas necessárias pacificamente e ainda com a chancela real, vocês,
franceses, acabam de proclamar oficialmente a sua orfandade. E viverão
eternamente carentes de um rei". Os fatos demonstraram que Burke tinha
razão. Depois de Luiz XVI, os franceses viriam a proclamar diversos reis
e imperadores, sendo o mais importante deles Napoleão Bonaparte.
Nos
dias de hoje, quem passa por cima do viaduto d'Alma, em Paris, encontra
uma espécie de santuário onde muitos acendem velas e pedem milagres.
Nesse mesmo local, uns 20 metros abaixo, num acidente de automóvel,
morreu Lady Di. Diana Frances Spencer não era uma santa (longe disso),
mas foi uma princesa. Seria mais um indício de que Burke tinha razão?
Voltando
às principais teses conservadoras, um conservador de verdade não tolera
o relativismo moral. Ainda no século passado, terríveis consequências
sofreram os povos onde ocorreu um colapso da ordem moral, onde os
cidadãos transigiram quanto a isso. A moral há de ser uma só, seja ela
fruto de revelação divina ou tenha sido forjada pela convenção humana.
Ela é o resultado de um arranjo costumeiro, cuja origem data de tempos
imemoriais. E é ela que nos preserva do abismo.
O
pensamento conservador, nos dias atuais, vem ganhando relevo justamente
porque os recursos naturais estão se tornando exíguos. Três décadas
atrás ninguém demonstrava a menor preocupação com esse tema. Agora ele
ocupa o proscênio das preocupações humanas. O polêmico aquecimento
global e o esgotamento de matérias-primas importantes põem na ordem do
dia a necessidade premente de preservar. E preservar é a principal
bandeira do pensamento conservador - que não cuida somente de
instituições sociais, mas abrange tudo o que diz respeito à humanidade.
Quem
imaginava ser a ecologia uma bandeira de esquerda percebe agora que não
é. Foi o comunismo, aliás, o regime político que mais sacrificou a
natureza. Tudo em nome do progresso, conceito que vem sendo cada vez
mais questionado pela opinião pública esclarecida. Os adeptos mais
exaltados do pensamento conservador não acreditam na existência de
progresso algum. Eles defendem, sim, mudanças graduais.
Os
principais países desenvolvidos têm, todos eles, partidos conservadores
que disputam e vencem eleições. Por que será que só aqui, no Brasil, os
conservadores relutam em se admitir como tal?
Se
o problema é a falta de alguém que puxe o cordão, tudo bem. Eu me
declaro um conservador. E não tenho por que ter vergonha disso.
João Mellão Neto, jornalista, foi deputado, secretário e ministro de estado.
Publicado no jornal O Estado de São Paulo.
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