Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Réus da Operação Navalha podem ficar impunes

Passa das 13h em Brasília. O empresário Zuleido Soares de Veras almoça num restaurante no Setor de Rádio e TV Sul. Dono da empreiteira Gautama, conversa sobre obras e menciona políticos. A cena, há cerca de um mês, faz esquecer por um momento que o mesmo Zuleido, em 2007, foi preso pela Polícia Federal na Operação Navalha, que desarticulou uma quadrilha que fraudava obras em seis estados, prendeu 47 pessoas e embasou denúncia contra um governador, ex-governadores e um ex-ministro.
A cinco quilômetros daquele restaurante, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a ministra Eliana Calmon se mostra “muito amolada” com o andamento do processo contra Zuleido, que atingiu ainda vários governadores. Passados cinco anos do caso, ela revelou ao Congresso em Foco que vê risco da impunidade dos réus. Discussões e jurisprudências sobre o foro privilegiado podem mandar a ação para um tribunal de primeira instância e resultar na prescrição de alguns crimes. Isso porque o caso já está, nas palavras da ministra, “todo retalhado” em varas de primeira instância em vários estados.
Eliana Calmon afirma que isso enfraquece as provas e favorece a impunidade. “Essa retalhação do processo acaba por fazer uma divisão da prova. A prova fica fragmentada. Com a prova fragmentada, nós temos naturalmente uma fragilidade”, contou ela ao site, na semana passada, no gabinete da vice-presidência do STJ, que ocupa interinamente. Para a ministra, chicanas de procedimentos nos tribunais fazem a sociedade perder. “Os crimes de corrupção, dentre eles o de colarinho branco, se valem dessas nuances procedimentais para livrar os figurões das penas da lei”, disparou.
Quem perde? “A sociedade perde sem dúvida alguma”, responde a ministra, que por dois anos foi a corregedora nacional de Justiça. No cargo, colecionou desafetos até entre os próprios colegas. Chegou a ser acusada de invadir dados sigilosos de juízes, acusação depois rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Eliana Calmon: “Corregedorias estão despreparadas para fiscalizar”
Há dois anos, o trabalho da PF – que resultou na denúncia do Ministério Público contra empreiteiros, o governador de Alagoas, Teotônio Vilela (PSDB), o então governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e o ex-governador de Sergipe João Alves Filho (DEM) – foi “todo retaliado”. Os casos que envolviam réus sem foro privilegiado foram remetidos a varas de primeira instância no Maranhão, Piauí, Bahia, Brasília e Mato Grosso. Como os deputados estaduais de Alagoas não autorizaram o processo contra Vilela, o caso referente ao estado também ficou na primeira instância. No STJ, só sobrou o relato de obras fraudadas e propinas referentes a Sergipe, porque houve participação de um conselheiro de Contas estadual.
Conselheiro
Mas o Tribunal de Contas de Sergipe (TCE-SE) aposentou o conselheiro Flávio Conceição de Oliveira Neto por causa das denúncias de irregularidades noticiadas pela própria Operação Navalha. Eliana aguarda o julgamento do recurso de Conceição que está nas mãos do ministro do STJ Humberto Martins para devolver o ex-conselheiro ao cargo ou mantê-lo aposentado.
Se o Conceição ficar no cargo, o processo fica no STJ. Caso contrário, Eliana vai fazer o que mandam a lei e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: enviar para uma vara de Sergipe a papelada de 31 volumes, 232 apensos e mais um voto com 130 folhas. Em Aracaju, o caso vai demorar pelo menos mais três meses; ela entende que alguns crimes vão prescrever.
A ministra pretendia colocar o caso em julgamento em maio deste ano, mas problemas como a aposentadoria de Conceição adiaram seus planos. Eliana Calmon diz que o recurso do conselheiro será analisado este ano por Humberto Martins. Rindo, a ministra nega que tenha pedido para o colega julgar de forma que o caso permaneça no STJ. “Não, eu pedi para ele julgar. Só”, ri.
“Muito amolada”
Ou seja: a Navalha ou será julgada em 2012 pelo STJ ou será mandada para Sergipe este ano. “Estou muito amolada, porque eu queria fazer o julgamento. Acompanhei o processo inteiro”, disse a ministra. “A gente acompanha o processo todo e, na hora de julgar…”
Até lá, é melhor aguardar. “Eu não vou entrar com um processo desses sujeita a não estar competente [para julgá-lo], porque, no momento, não sou competente”, resigna-se a ministra. Enquanto o caso ‘desce’ para a Justiça de Alagoas, vai se contando tempo para que os réus sejam absolvidos pelo calendário, o chamado “prazo prescricional” entre a ocorrência do crime e o julgamento do juiz. Eliana Calmon entende que um juiz “diligente” até conseguiria julgar tudo em três meses. Mas lembra que o caso está dividido.
“Essa retalhação do processo acaba por fazer uma divisão da prova. A prova fica fragmentada. Com a prova fragmentada, nós temos naturalmente uma fragilidade”, explica.
Na visão de Eliana perde-se a noção do conjunto das provas. “Termina sendo muito retalhado, a gente perde um pouco a prova.” A ministra avalia que isso é bom para os réus, mas ruim para se descobrir a verdade. “Em relação ao réu, fica bom, né? Mas em relação à analise probatória, fica extremamente dificultado. Eu acho que a sociedade perde. Perde o fio da meada.”
Tênue
Na entrevista ao site, Eliana Calmon afirma serem frágeis as provas contra o ex-governador de Sergipe João Alves Filho (DEM) e seu filho João Alves Neto. Já contra Zuleido, ao contrário, as provas seriam fartas. “O Zuleido tem bastante provas. Em relação ao João Alves Filho, eu acho que a prova é muito tênue, frágil, mas em relação ao grupo que estava na empresa as provas são muito contundentes.”
A ministra não revela se seu voto é pela absolvição ou condenação dos réus. “Não posso dizer como eu resolvi isso, porque o certo eu posso nem ser a competente para solucionar [o caso].”



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