Situação delicada
Merval Pereira
A presidente Dilma fica em situação muito delicada toda vez que
acontece um caso de corrupção no seu governo. Toma a decisão de
demitir os envolvidos, passa a ideia ao grande público, por
informações de anônimos assessores, de que não tem nada a ver com
aquilo, que as pessoas foram nomeadas a pedido de Lula, a quem não
poderia deixar de atender, mas que não tolera corrupção e, quando
descobre, coloca fora do governo o acusado.
Isso dá a ela uma boa margem de manobra, especialmente diante da
classe média que está conquistando com decisões aparentemente
independentes. E creio mesmo que o próprio ex-presidente Lula aceita
essa situação avaliando os ganhos políticos que ela traz para a
presidente. A questão é até quando ela conseguirá permanecer nessa
posição, tirando todo o proveito da proximidade de Lula e, ao mesmo
tempo, vendendo imagem de autonomia em relação a ele.
Já não está sendo possível aceitar que tudo de ruim que acontece
seja culpa do antecessor, mesmo que ela não explicite essa acusação,
apenas a insinue. E negue oficialmente quando, a exemplo do
ex-presidente Fernando Henrique, tentam explicar os fracassos de seu
governo com suposta "herança maldita".
Afinal, Dilma já está na segunda metade de seu governo, foi a
responsável pela nomeação de todos os ministros que já demitiu por
suspeita de corrupção - e, por sinal, nada aconteceu a nenhum deles em
termos concretos - e até mesmo essa chefe do gabinete da Presidência
em SP, Rosemary Noronha, foi nomeada por Dilma quando era chefe da
Casa Civil, e mantida no cargo a pedido de Lula.
Sabe-se agora que o gabinete da Presidência em SP era um segundo
escritório de Lula, fora do Instituto Cidadania, e por isso mesmo ele
teve inusitada agitação este ano, com inúmeras reuniões de Dilma e
Lula.
Até que ponto a presidente tem condições de autonomia em relação
a um pedido de Lula? Até que ponto seu governo tem mecanismos para
detectar desvios como os que dominaram vários ministérios no início de
seu governo e agora dominam o gabinete presidencial e o segundo nome
da Advocacia Geral da União?
Está ficando cada vez mais próximo o momento em que não será
mais possível isentar Dilma de erros que sucessivamente acontecem.
Fica a cada dia mais difícil para ela se isentar de "malfeitos"após
estar no governo mais de dois anos. As andanças da ex-ministra Erenice
Guerra em órgãos oficiais e a proteção ao ministro Fernando Pimentel,
a ponto de alterar o Conselho de Ética da Presidência, apontam para
leniência com amigos.
Sempre que precisa, ou é exigido dela, dar demonstração de
lealdade, ela dá, até entrar de corpo e alma na campanha municipal,
que afirmara que não faria. Foi a todos os palanques que Lula via como
estratégicos, articulou a candidatura de Patrus Ananias em BH e foi às
raias da grosseria quando achou que precisava marcar posição, caso da
disputa em Salvador, quando acabou ajudando ACM Neto ao fazer
insinuações sobre sua estatura no palanque de Nelson Pellegrino.
Não creio que dê para ela ficar em cima do muro muito tempo
mais; é difícil se desvincular, como é difícil Lula se desvincular do
mensalão, ou do escândalo mais recente com pessoa muito ligada a ele
envolvida. Dizer pela enésima vez que foi "esfaqueado pelas costas",
então, se torna patético.
Nenhum dos escândalos que estouraram foi detectado pelos órgãos
de investigação, todos foram decorrência de denúncias da grande
imprensa ou delação premiada. Mais uma vez a Presidência como
instituição se vê envolvida em escândalos, gerados a partir de
funcionários de confiança, nesse caso escolhidos com requintes que
mostram intenção de nomear determinadas pessoas para os cargos
determinados.
O diretor da Agência Nacional de Águas, Paulo Vieira, teve
padrinhos poderosos: Rosemary convenceu Lula e o ex-ministro José
Dirceu, com quem trabalhara por 12 anos, a bancá-lo. Foi rejeitado
duas vezes pelo Senado, mas o Planalto insistiu e uma manobra o
aprovou. O então ministro Carlos Minc (PT) disse que sabia-se que o
indicado "navegava em águas turvas". Também o segundo homem da AGU só
foi nomeado por insistência de Luis Inácio Adams, candidato de Lula no
STF. São coincidências demais. Uma maneira de demonstrar real
disposição de combater a corrupção seria passar um pente-fino nas
nomeações para cargos estratégicos.
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