“Hegemonia”
é isso: o domínio invisível e insensível exercido sobre as consciências
pela força da repetição e do hábito impregnado na linguagem, nas
rotinas, no “senso comum” (no sentido gramsciano do termo).
Um dos mais velhos truques da propaganda comunista no Brasil é esconder-se por trás de algum comunista americano desconhecido nestas plagas e cantar vitória: “Está vendo? Até os ianques dizem que...” Partindo da premissa popular de que ser americano é um atestado de anticomunismo, até a voz da KGB em inglês soa como uma potente confirmação direitista de qualquer mentira pró-comunista que se pretenda impingir ao cândido leitor brasileiro.
Sempre foi assim. Quando eu era adolescente, esfregavam-me no nariz os artigos de Drew Pearson e me esmagavam com o argumento fulminante: “Está vendo? Até os ianques dizem que...” Acabei, é lógico, acreditando, sem saber que as fontes de informações de Pearson eram dois agentes soviéticos -- coisa que só chegou ao meu conhecimento quatro décadas depois, mas ainda é totalmente ignorada pelo público maior, o qual já nem lembra quem foi Pearson e que tremenda influência teve na política americana.
O engodo tornava-se ainda mais persuasivo quando reforçado por um constante bombardeio de artigos e estudos eruditíssimos que nos provavam por a + b que a mídia americana inteira era um instrumento de propaganda imperialista. Qualquer agente comunista minimamente treinado sabe que a maneira mais eficaz de persuadir a platéia não é usar de um argumento lógico continuado, mas jogar com a tensão entre dois argumentos aparentemente opostos (em geral um implícito, o outro explícito). Quando até os imperialistas admitiam que Fidel Castro era um combatente pela democracia ou que os vietcongues eram patriotas sem um pingo de ideologia comunista nas veias, que brasileiro teria a ousadia de dizer o contrário?
Sempre foi assim. A diferença é que agora esse truque, antigamente usado apenas na imprensa comunista, se tornou norma de redação na grande mídia e multiplicou por mil o seu poder de confundir e ludibriar.
Façam uma revisão do que leram nos jornais brasileiros a respeito de Barack Hussein Obama ao longo das campanhas eleitorais de 2008 e 2012 e verão que, com exceções infinitesimais, as opiniões aí expressas foram de dois tipos e somente dois:
(a) Barack Obama é um progressista moderado, a voz da América esclarecida em luta contra o obscurantismo reacionário e racista.
(b) Barack Obama, sob a aparência de bom moço, é um imperialista ianque como qualquer outro, um “falcão” empenhado em esmagar o pobre mundo sob as patas do Império americano. A única diferença entre ele e John McCain, ou Mitt Romney, é que pelo menos ele não é um caipirão racista como eles.
Forçado a escolher entre o bem absoluto e o mal menor, nos dois casos o “idiota padrão”, que é como nas redações se denomina o leitor médio, acabava sempre ficando com Barack Obama. Se as eleições fossem no Brasil, o candidato democrata teria 99 por cento dos votos sem precisar adulterar as maquininhas como fez em Ohio e na Pensilvânia.
O benefício secundário dessa técnica é habituar o leitor a escolher entre duas opiniões esquerdistas e a acreditar que com isso está desfrutando de um dos prazeres maiores de viver numa democracia, que é o de poder tomar posição livremente nos debates públicos. Com isso, pouco a pouco a democracia vai se reduzindo ao “centralismo democrático” leninista – a livre discussão dentro do Partido --, sem que a multidão bocó perceba a diferença.
Por fim, a coisa mais maravilhosa: com o tempo, os jornalistas sem filiação ideológica explícita se adaptam ao modelo, por mera imitação dos colegas mais velhos, e acabam por se tornar os mais eficientes colaboradores da manobra comunista, justamente porque não têm nenhuma consciência de estar a serviço dela e rejeitam, com esgares de indignação ou trejeitos de sarcasmo, a hipótese de que estão servindo de idiotas úteis. Aliás é precisamente por essa razão que são chamados de idiotas úteis.
“Hegemonia” é isso: o domínio invisível e insensível exercido sobre as consciências pela força da repetição e do hábito impregnado na linguagem, nas rotinas, no “senso comum” (no sentido gramsciano do termo). Construí-la é, por definição, obra de muitas décadas, apoiada na passagem das gerações e no esquecimento coletivo. Só um conhecimento muito fino da história cultural e psicológica da sociedade em que vivemos, aliada a um rigoroso exame retrospectivo da nossa própria biografia interior e à firme disposição de encontrar a verdade para além de toda a pressão do nosso grupo de referência, pode nos libertar de uma influência grudenta e anestésica que se impregna em nossas almas como uma segunda natureza. As pessoas habilitadas a fazer esse exame contam-se nos dedos das mãos, e são ainda mais raras na classe universitária, onde a adaptação ao vocabulário e aos cacoetes mentais do ambiente são condições necessárias da sobrevivência escolar e profissional. A construção da hegemonia aposta na estupidez, na preguiça, no espírito de imitação e na covardia intelectual, qualidades que raramente faltam aos jovens universitários ávidos de reconhecimento.
P. S. Alguém me envia cópias de e-mails que circulam numa lista de discussões entre “professores de lógica” das universidades brasileiras. O objeto da discussão é a minha pessoa. Todos ali se consideram importantes demais para discutir comigo em público, mas têm tempo de sobra para fofocar a meu respeito pelas costas, a salvo da possibilidade de um revide. Um dia talvez eu comente aqui o conteúdo das fofocas, coisa de uma miséria intelectual (e moral) capaz de levar o leitor às lágrimas.
Publicado no Diário do Comércio.
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