editorial do Estadão
Todos os brasileiros, exceto os diretamente beneficiados pela medida,
serão de alguma forma prejudicados pela decisão do presidente Michel
Temer de conceder o aumento salarial pedido pelos ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) – que se aplicará a outros membros do Poder
Judiciário – e estendido, em outras proporções, para todo o
funcionalismo ativo e inativo do Executivo federal. Para cobrir o
aumento dos gastos do Judiciário e do custo da folha de pessoal do
Executivo, outros itens de despesa terão de sofrer cortes, e isso deverá
afetar programas sociais, como o Bolsa Família, e sobretudo os
investimentos em obras de reforma, melhoria e expansão de serviços
públicos.
A séria crise fiscal que ameaça a continuidade desses serviços seria
aliviada no início do mandato do próximo presidente da República caso a
correção da folha de salários da União tivesse sido adiada de 2019 para
2020, como se previa. Com a concordância de Temer em manter em 2019 os
reajustes para o funcionalismo, como medida compensatória à concessão do
aumento pedido por todos os integrantes do Supremo, a folha de
pagamento do funcionalismo da União acumulará um crescimento real, isto
é, descontada a inflação, de 13,7% entre 2017 e 2019. Para o Tesouro,
isso representa gastos adicionais de R$ 38,1 bilhões só com a folha de
vencimentos.
No caso dos ministros do STF, cujos vencimentos representam o teto da
remuneração no setor público e hoje estão fixados em R$ 33.763,00, o
limite pode chegar a R$ 39.293,32. O acordo entre o Executivo e o STF
para a concessão desse aumento inclui a extinção do chamado
auxílio-moradia, que eleva os vencimentos dos juízes em cerca de R$ 4,3
mil. O custo do acerto será de R$ 4,1 bilhões por ano para a União e
para os Estados, de acordo com cálculos das consultorias da área de
orçamento da Câmara e do Senado.
São números que retratam ganhos para uma parcela ínfima de brasileiros
cuja situação contrasta de maneira dramática com a vivida por 27,6
milhões de cidadãos aos quais falta trabalho, e consequentemente renda.
Eles compõem o contingente de pessoas subutilizadas aferido pela mais
recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do
IBGE. São pessoas que estão desempregadas, subocupadas por insuficiência
de horas trabalhadas ou estão disponíveis para trabalhar, se houver
oportunidade. São, por isso, as que mais dependem de serviços prestados
pelo poder público.
Como mostrou reportagem do Estado,
no ano passado, os funcionários públicos, que em média ganham bem mais
do que os empregados do setor privado, tiveram aumento de 6,5% acima da
inflação; neste ano, o ganho real é estimado em 2,3%. Já o rendimento
médio dos trabalhadores ocupados no trimestre encerrado em julho
aumentou apenas 0,8% em um ano, segundo a Pnad Contínua. A massa de
salários cresceu 2,0%, puxada pelo aumento do número de pessoas
trabalhando.
A lenta recuperação da atividade econômica resulta em crescimento
modesto da arrecadação, razão pela qual o aumento do custo de pessoal
decorrente da tibieza com que o governo Temer tratou da questão nos
últimos dias exigirá cortes de outros itens. Sem o reajuste do
funcionalismo, haveria uma folga de R$ 6,8 bilhões para equilibrar as
contas no próximo exercício. Essa folga se desfez. O impacto exato dos
gastos adicionais ainda será discutido hoje no Palácio do Planalto, em
reunião na qual serão definidos os números finais do projeto de lei do
Orçamento da União para 2019. O projeto tem de ser enviado hoje mesmo ao
Congresso.
É muito provável que os cortes se concentrem nos investimentos,
inclusive em obras incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento.
No ano passado, o governo federal destinou R$ 45,7 bilhões para
investimentos. No primeiro semestre deste ano, o montante alcançou R$
21,2 bilhões. É possível que em 2019 os investimentos fiquem em cerca de
R$ 35 bilhões. É pouco para um país em que o setor público é
responsável por boa parte da infraestrutura, cuja oferta e cuja
qualidade são insuficientes. Benefícios sociais também poderão se
reduzidos.
extraídaderota2014blogspot
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