por Percival Puggina.
A reprovação do texto constitucional foi objeto de discurso de Lula no dia da promulgação. Após elencar um amplo conjunto de restrições ao que fora consagrado pelo plenário, ele assim se expressou:
“Sei
que a Constituição não vai resolver o problema de mais de 50 milhões de
brasileiros que estão fora do mercado de trabalho. Sei que a
Constituição não vai resolver o problema da mortalidade infantil, mas
imaginava que os Constituintes, na sua grande maioria, tivessem, pelo
menos, a sensibilidade de entender que não basta, efetivamente,
democratizar um povo nas questões sociais, mas é preciso democratizar
nas questões econômicas. Era preciso democratizar na questão do capital.
E a questão do capital continua intacta. Patrão, neste País, vai
continuar ganhando tanto dinheiro quanto ganhava antes, e vai continuar
distribuindo tão pouco quanto distribui hoje. É por isto que o Partido
dos Trabalhadores vota contra o texto e, amanhã, por decisão do nosso
diretório – decisão majoritária – o Partido dos Trabalhadores assinará a
Constituição, porque entende que é o cumprimento formal da sua
participação nesta Constituinte.”
O senador Roberto Campos,
por seu turno, diagnosticou corretamente: aquele texto era
excessivamente socialista, iria quebrar o país e demandaria uma carga
tributária muito danosa à iniciativa privada e ao desenvolvimento
econômico e social. Entre muitas de suas apreciações sarcásticas,
destaco estas duas:
“Nossa
Constituição é uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação
minuciosa do efêmero; é, ao mesmo tempo, um hino à preguiça e uma
coleção de anedotas; é saudavelmente libertária no político, cruelmente
liberticida no econômico, comoventemente utópica no social; é um camelo
desenhado por um grupo de constituintes que sonhavam parir uma gazela.”
“É difícil exagerar os malefícios desse misto de regulamentação trabalhista e dicionário de utopias em que se transformou nossa Carta Magna. Na Constituição, promete-nos uma seguridade social sueca com recursos moçambicanos.”
O que fazer, se a Carta é um problema? Jogar fora e escrever outra? Quem pode assegurar que a nova não incorrerá em erros maiores, ainda que através de uma constituinte exclusiva? Se levarmos em conta o que se ensina e o que pauta o pensamento político no meio acadêmico brasileiro, são elevadíssimas as possibilidades de que isso ocorra. Tal constatação levou o general Mourão, movido a boa intenção, a sugerir nova carta, a ser redigida por um grupo de notáveis para posterior submissão a referendum popular. A ideia não soa bem sob os pontos de vista político e formal.
Notáveis” sem mandato, ainda que não sejam escolhidos a dedo, mas por instituições, logo teriam sua legitimidade questionada. Vem daí o referendo mencionado por Mourão. No entanto, o país regrediu. O próprio conceito de “notável” já nos proporcionou, entre outros, Toffoli, Lewandowski, Fachin e Rosa Weber. E é altamente provável que, quanto mais virtudes viesse a ter o produto dessa comissão, maior a viabilidade de sua rejeição. Para ser boa, a Carta contrariaria interesses, e a soma dos interesses contrariados a conduziria a esse desfecho.
Por isso, sou favorável a sucessivas retificações parciais do texto atual. Embora laborioso e demorado, esse procedimento será mais seguro e reduzirá o risco de que a emenda piore o soneto. Obviamente, a primeira e mais urgente mudança é a do modelo institucional. Entre outros ganhos, isso evitará que a cada quatro anos nos defrontemos com as insanidades do tempo presente.
extraidadepuggina.org
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