por Mary Zaidan
Na mais imprevisível eleição pós-democratização, na qual o vale tudo
testou todos os limites – candidato condenado e preso desafiando a
Justiça, topando ser substituído a contragosto no minuto final, e outro
esfaqueado em plena campanha -, há algo que não surpreende: o pouco caso
frente à escolha de deputados, associada agora à pregação de não se
reeleger ninguém ou de anular o voto.
Não é novidade o menosprezo pelas eleições proporcionais. Elas
dificilmente frequentam os debates, quase nunca são medidas em
pesquisas. Não raro, deputados são números decorados ou rabiscados em
colas pelos eleitores pouco antes de chegar às urnas. Mais difícil ainda
é encontrar um eleitor que saiba o nome de quem mereceu o seu voto
poucos meses depois do sufrágio.
A perversidade dessa desimportância está no fato de que não há
democracia sem Parlamento. Mais: embora todo poderoso, presidente da
República algum consegue administrar sem maioria na Câmara e no Senado.
Não é demais dizer que a qualidade de um governo depende diretamente do
perfil do Congresso, ainda que muitos de seus integrantes se rendam com
facilidade às ofertas nada republicanas feitas em nome da governança.
Curiosamente, esses cambalachos acabaram por demonizar mais os deputados
do que os chefes do Executivo responsáveis pelas propostas indecorosas.
Embora muitos, propositalmente, misturem todos no mesmo saco, a maior
parte da bandidagem apurada pela Lava-Jato situa-se nos tempos de Lula e
Dilma Rousseff e nos governos estaduais da época, tendo Sérgio Cabral
como ícone. E, ainda que alguns sejam réus e acusados por mais de um
crime (55 dos 513 deputados são suspeitos ou investigados por
corrupção), 70% dos parlamentares federais não respondem a qualquer
processo. Podem até ter vários defeitos, e têm, mas não há indicativos
de que roubem. São, portanto, vítimas da generalização.
Sumidos entre o pipocar quase cotidiano de pesquisas eleitorais para a
Presidência da República e para os governos estaduais, os 8,4 mil
postulantes a deputado federal são candidatos de segunda categoria; os
17,8 mil que disputam as assembleias estaduais, de terceira. No horário
obrigatório de rádio e TV, praticamente se resumem a um nome e um
número, com, no máximo, uma frase de efeito para enfeitar a aparição.
As regras parecem injustas. E são. Foram feitas para manter benesses dos
parlamentares, incluindo as dos que dizem repudiar privilégios. Postura
que aumenta a confusão, corroborando para o eleitor enfiar tudo e todos
no mesmo balaio maldito. Normas criadas para afastar o eleitor e
perpetuar currais de votação. Para impedir caras novas e minar as
chances de políticos sérios, que, mesmo trabalhando com afinco, se
deixam misturar ao joio.
Assim sendo, como enxergar o trigo? Como repor a necessária dignidade a
um Poder tão maltratado por boa parte das excelências que o ocupa?
Não são poucas as dissonâncias, impropriedades e mazelas das casas
legislativas. É urgente mudá-las, exigir e cobrar muito mais do que o
quase nada que elas têm ofertado. Mas como não há democracia sem elas,
de nada adianta campanhas por nulidade do voto ou contra qualquer um que
tenta se reeleger. A renovação é sempre bem-vinda, revigora e energiza a
política. Mas o novo pelo novo não é aval de qualidade e seriedade.
Principal instrumento da democracia, o voto – um direito que não deveria
ser obrigação – vai além da urna. Eleger alguém não coloca um ponto
final. Ao contrário, inicia-se um ciclo. Ao eleitor cabe definir se de
negação ou vitalidade.
Mary Zaidan é jornalista
Com Blog do Noblat, Veja
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