por Luiz Felipe Pondé
O PT é um partido no estilo da velha esquerda, com laivos de via chilena
e pitadas de esquerda de campus. Um dinossauro no cenário das
democracias liberais e sua “crise de meia-idade” —como diz David Ruciman
em seu “How Democracy Ends” (como acaba a democracia). O atavismo
político e social brasileiro sustenta a vivacidade de nosso debate
político.
O PT pretende, desde sua fundação, chegar ao poder e não sair dele nunca
mais. Se há nele “elementos democráticos” (como respeitar a ordem
institucional), esses “elementos” existem na dependência da
sobrevivência do partido como ferramenta viável de chegada ao poder e
sua manutenção por tempo indeterminado.
Entre a ordem institucional e a defesa da manutenção do poder,
escolhe-se a segunda. Para o PT, o Lula é a ordem institucional, dane-se
o resto.
Pergunta-se, por exemplo, se as Forças Armadas quebrariam a ordem
institucional. Mas há uma pergunta anterior, cujos indícios podemos
perceber por toda parte —e a insistência do PT em fazer de Lula seu
candidato mesmo após sua condenação em segunda instância só reforça essa
percepção.
Qual a função da democracia liberal burguesa e sua ordem institucional
para a visão política marxista-leninista que é a raiz
filosófico-política das inteligências que alimentam o PT e grande parte
da esquerda nacional?
Respondo: a função da democracia liberal burguesa é apenas servir de trampolim para sua posterior destruição.
Sei. Dirão que essas são categorias históricas superadas. Mas grande
parte da estrutura política latino-americana é atávica mesmo.
Se patinamos em modos coloniais de funcionamento, repetindo estruturas
herdadas da escravidão, repetimos também modos políticos que vão do
século 19 à Guerra Fria do 20, no tocante à expectativa “democrática
revolucionária” do tipo leninista, trotskista ou maoísta. Somos
atrasados até nisso: a “esperança” da esquerda brasileira é voltar para a
primeira metade do século 20. Ela ainda quer “derrubar” a ditadura.
Se a esquerda fala tanto da ditadura militar no Brasil é porque ela
está, ainda, mentalmente e politicamente, naquele lugar. A União
Soviética ruiu, mas não na América Latina. Cuba e o delírio que
intelectuais brasileiros mantêm com a ilha mantida na miséria são as
provas evidentes desse atavismo mental e político.
Para qualquer pessoa letrada em marxismo e leninismo, é evidente que
questões como corrupção, respeito à ordem institucional, defesa da
liberdade de expressão e afins só importam enquanto servirem como
retórica para tomada e manutenção do poder, jamais como valores
intrínsecos.
E a razão é a própria teoria marxista, que tem desprezo pelo vocabulário
e imaginário da democracia liberal burguesa. Se o burguês é dado a uma
forma hipócrita de humanismo (chora por crianças com fome e demite seus
pais pelo lucro), ele também fala de democracia, contanto que “as massas
exploradas” continuem servindo cafezinho. E, portanto, a democracia da
burguesia não vale nada. E sua ordem institucional tampouco.
Sim. Dirão que o PT é um partido da social-democracia europeia. Direi
que não. Até pode haver laivos nele disso, mas social-democracia
europeia é coisa de rico. No Brasil, estaria mais ligado ao povo chique
que vive entre a praça Panamericana e Higienópolis, tipo o PSDB
histórico (a Sorbonne do então PMDB).
O discurso do PT e da esquerda brasileira se aproxima mais da “via
chilena” dos anos 1970: chegar ao poder via voto popular e dele não sair
nunca mais. Isso implicava, e implica, a transformação da ordem
institucional para sustentar sua própria concepção de democracia. A
mesma transformação de Cuba e Venezuela (com diferenças aqui e ali).
A esquerda destruiria a ordem institucional facilmente, com apoio,
inclusive, de grande parte da inteligência pública, na mídia e nas
universidades.
Faça um teste: pergunte o que grande parte dessa moçada pensa de Cuba e
Venezuela. O que o PT pensa já sabemos. Seus governos foram íntimos
aliados e defensores (inclusive com o nosso dinheiro) dos “ditadores
democráticos” desses dois países.
E a esquerda de campus? Essa é a nova esquerda, que tem medo de sangue e
quer um shopping para chamar de seu. São os departamentos de ciências
humanas que “pesquisam” gênero, votam no PT, fariam xixi nas calças
diante de Marx e Lênin e detestam gente que cheira a ônibus.
A esquerda marxista-leninista sempre desprezou a ordem institucional. Falam nela para enganar bobo.
Folha de São Paulo
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