Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

"Um partido marxista-leninista",

por Luiz Felipe Pondé

 O PT é um partido no estilo da velha esquerda, com laivos de via chilena e pitadas de esquerda de campus. Um dinossauro no cenário das democracias liberais e sua “crise de meia-idade” —como diz David Ruciman em seu “How Democracy Ends” (como acaba a democracia). O atavismo político e social brasileiro sustenta a vivacidade de nosso debate político.
O PT pretende, desde sua fundação, chegar ao poder e não sair dele nunca mais. Se há nele “elementos democráticos” (como respeitar a ordem institucional), esses “elementos” existem na dependência da sobrevivência do partido como ferramenta viável de chegada ao poder e sua manutenção por tempo indeterminado.
Entre a ordem institucional e a defesa da manutenção do poder, escolhe-se a segunda. Para o PT, o Lula é a ordem institucional, dane-se o resto.
Pergunta-se, por exemplo, se as Forças Armadas quebrariam a ordem institucional. Mas há uma pergunta anterior, cujos indícios podemos perceber por toda parte —e a insistência do PT em fazer de Lula seu candidato mesmo após sua condenação em segunda instância só reforça essa percepção.
Qual a função da democracia liberal burguesa e sua ordem institucional para a visão política marxista-leninista que é a raiz filosófico-política das inteligências que alimentam o PT e grande parte da esquerda nacional?
Respondo: a função da democracia liberal burguesa é apenas servir de trampolim para sua posterior destruição.
Sei. Dirão que essas são categorias históricas superadas. Mas grande parte da estrutura política latino-americana é atávica mesmo. 
Se patinamos em modos coloniais de funcionamento, repetindo estruturas herdadas da escravidão, repetimos também modos políticos que vão do século 19 à Guerra Fria do 20, no tocante à expectativa “democrática revolucionária” do tipo leninista, trotskista ou maoísta. Somos atrasados até nisso: a “esperança” da esquerda brasileira é voltar para a primeira metade do século 20. Ela ainda quer “derrubar” a ditadura.
Se a esquerda fala tanto da ditadura militar no Brasil é porque ela está, ainda, mentalmente e politicamente, naquele lugar. A União Soviética ruiu, mas não na América Latina. Cuba e o delírio que intelectuais brasileiros mantêm com a ilha mantida na miséria são as provas evidentes desse atavismo mental e político.
Para qualquer pessoa letrada em marxismo e leninismo, é evidente que questões como corrupção, respeito à ordem institucional, defesa da liberdade de expressão e afins só importam enquanto servirem como retórica para tomada e manutenção do poder, jamais como valores intrínsecos.
E a razão é a própria teoria marxista, que tem desprezo pelo vocabulário e imaginário da democracia liberal burguesa. Se o burguês é dado a uma forma hipócrita de humanismo (chora por crianças com fome e demite seus pais pelo lucro), ele também fala de democracia, contanto que “as massas exploradas” continuem servindo cafezinho. E, portanto, a democracia da burguesia não vale nada. E sua ordem institucional tampouco.
Sim. Dirão que o PT é um partido da social-democracia europeia. Direi que não. Até pode haver laivos nele disso, mas social-democracia europeia é coisa de rico. No Brasil, estaria mais ligado ao povo chique que vive entre a praça Panamericana e Higienópolis, tipo o PSDB histórico (a Sorbonne do então PMDB).
O discurso do PT e da esquerda brasileira se aproxima mais da “via chilena” dos anos 1970: chegar ao poder via voto popular e dele não sair nunca mais. Isso implicava, e implica, a transformação da ordem institucional para sustentar sua própria concepção de democracia. A mesma transformação de Cuba e Venezuela (com diferenças aqui e ali). 
A esquerda destruiria a ordem institucional facilmente, com apoio, inclusive, de grande parte da inteligência pública, na mídia e nas universidades.
Faça um teste: pergunte o que grande parte dessa moçada pensa de Cuba e Venezuela. O que o PT pensa já sabemos. Seus governos foram íntimos aliados e defensores (inclusive com o nosso dinheiro) dos “ditadores democráticos” desses dois países.
E a esquerda de campus? Essa é a nova esquerda, que tem medo de sangue e quer um shopping para chamar de seu. São os departamentos de ciências humanas que “pesquisam” gênero, votam no PT, fariam xixi nas calças diante de Marx e Lênin e detestam gente que cheira a ônibus.
A esquerda marxista-leninista sempre desprezou a ordem institucional. Falam nela para enganar bobo.
Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. 
É doutor em filosofia pela USP

Folha de São Paulo































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