LUIZ FELIPE PONDÉ folha de SP
Um amigo de meu filho, de 35 anos, me contou que numa reunião com
professores e pais, na escola de seu filho de sete anos (escola esta
frequentada por ele, assim como pelos meus filhos até o vestibular), um
pai cobrou que na nota fosse levado em conta o conteúdo “dentro das
possibilidades do seu filho”. Há uma recusa ao amadurecimento no ar.
Na mesma escola, anos atrás, numa reunião dessas, ouvi uma mãe cobrar da
escola que “heroínas femininas fossem usadas em sala de aula para que
as meninas fossem empoderadas”, e, da mesma mãe, “que a escola deveria
dar mais atenção à África do que à história romana, grega, hebraica e
mesopotâmica”.
Pensei como deveria ser um saco, para uma professora, depois de um dia
inteiro de aulas, ter que aturar pais metendo o bedelho no que não
entendem e, literalmente, enchendo o saco.
Sim, o mundo está bem chato. O sapiens está saturado de ruídos. Espécie
pré-histórica, evoluída num cenário do alto do Paleolítico, em meio à
preponderância do silêncio, agora, com iPhones na mão, assola o mundo
com opiniões. Falam muito da destruição do ambiente; temo que o sapiens
se destrua falando demais.
Exemplos dessa pedagogia contra o amadurecimento já estão na
universidade. E logo estarão nas empresas. Pais e psicólogos atacarão o
RH das empresas com ameaças de processos jurídicos, como já ensaiam nas
escolas e universidades, porque essas empresas não estarão levando em
conta a “economia da autoestima” de seus filhos estagiários.
Exagero? Não exagero. O mundo marcha a passos largos para o retardamento
mental como uma opção pedagógica. Frase insensível à vulnerabilidade
das pessoas?
Há um culto da vulnerabilidade por aí. Pais e profissionais cada vez
mais fazem pressão para que as instituições de ensino relativizem normas
de avaliação em nome de ficar “dentro das possibilidades” de seus
filhos.
Entre as várias hipóteses possíveis, julgo que a raiva reprimida de ter
que perder tempo, dinheiro e saúde cuidando dos filhos faz com que
muitos pais exagerem nas provas de “amor e cuidado” com eles, exigindo
que o resto do mundo os ame, como eles mesmos não são capazes.
Exagero? Talvez um pouco, mas não muito. Lanço mão de uma tática
argumentativa chamada hipérbole (quando você exagera num argumento para
defender uma hipótese que está aquém da afirmação exagerada), por causa
do desespero que dá ver os pais destruírem a vida dos filhos fazendo
deles zumbis adictos de formas institucionais de distribuição de
autoestima.
Fala-se muito de educação, mas ela já foi para o saco há muito tempo. A
fúria de fazer o mundo melhor nos destruirá a todos. O esvaziamento dos
vínculos familiares pressiona o Estado e as escolas para cumprir o papel
de pais narcisistas e de saco cheio. Aliás, todo mundo está de saco
cheio, o Sapiens não se aguenta mais. Uma espécie pré-histórica perdida
na redes.
Entre 1990 e 2010, o termo “estudantes vulneráveis” passou de 55
referências para 1.136. De 2015 a 2016 houve 1.407 referências ao mesmo
termo. A fonte é LexisNexis Database. Quem a cita é o sociólogo Frank
Furedi, no seu mais novo livro, “What’s Happened To The University? A
Sociological Exploration of its Infantilisation” (o que aconteceu com a
universidade? Uma exploração sociológica de sua infantilização, ed.
Routledge, 214 págs.), sem tradução no Brasil. Proponho a leitura para
pais, professores e pesquisadores do assunto.
A conclusão do autor, que se dedica a esse campo, no mínimo, desde 2004,
quando publicou seu “Therapy Culture” (cultura da terapia), também sem
tradução no Brasil, é que ao optarmos por uma narrativa da
vulnerabilidade, optamos por estudantes infantis.
Numa linguagem exagerada, estamos criando uma sociedade de inseguros
afetivos e cognitivos. Os idiotas da tecnologia acham que porque existem
crianças de três anos que mexem em iPads, elas são mais inteligentes.
Numa espécie de lamarckismo para idiotas, pensam que, como os pais usam
muito iPads, os filhos nascem sabendo mexer neles.
Furedi devia ser leitura obrigatória para quem pede para a escola levar
em conta, na avaliação, as possibilidades do filho. E o pior é que esse
pai se acha o máximo. Um dos efeitos colaterais da maior escolaridade é
que a pessoa fica menos cuidadosa em assuntos que não domina. Fiéis às
bobagens fragmentadas que leem, enviesadas por modinhas do Face, esses
pais jogam o amadurecimento dos filhos no lixo.
extraídadeavarandablogspot
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