por Ives Gandra da Silva Martins
A vida humana é o maior dos direitos, resguardado pela nossa Constituição como sendo inviolável (art. 5º, “caput”). Ainda assim, está novamente em pauta a discussão sobre o suposto direito que a mulher teria de continuar, ou não, a gravidez até o 3º mês.
No momento, está em curso na Suprema Corte a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental de nº 442, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, por meio da qual se objetiva liberar o homicídio uterino, sob a alegação de que uma das grandes conquistas do Século XXI foi a liberação da mulher de ser dona de seu próprio corpo.
Tal argumento é, no mínimo, contrário à biologia, pois no momento da concepção, todo o corpo da mulher é adaptado para o desenvolvimento do zigoto (primeira célula da união entre o espermatozoide e o óvulo), que impõe suas regras naturais até seu nascimento. Não sem razão, o Código Civil (art. 2º) declara que todos os direitos do nascituro estão assegurados desde a concepção. Seria ridículo dizer que todos os direitos estão assegurados, menos o direito à vida!
Acresça-se o fato de que o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica - tratado internacional de direitos fundamentais (art. 4º), que reconhece começar a vida na concepção -, que foi incorporado ao direito interno (art. 5º, § 2º).
Além de tudo isso, o STF não pode legislar, nem mesmo nas ações de inconstitucionalidade por omissão do Congresso (art. 103 § 2º). Este comando constitucional é tão relevante que atribuiu ao Legislativo o poder de anular invasões em sua competência, dependendo apenas da vontade política dos congressistas ou da pressão popular (art. 49, inciso XI).
Uma democracia em que a tripartição de poderes não se faça nítida, deixando de caber ao Legislativo legislar, ao Executivo executar e ao Judiciário julgar, corre o risco de se tornar ditadura, se o Judiciário, dilacerando a Constituição, atribua-se o poder de invadir as funções de outro Poder.
Outro ponto que não pode ser relevado é o referente à dor do nascituro. Bernard Nathanson, em seu livro “The hand of God”, explica que, como médico, dirigiu pessoalmente cerca de 75 mil abortos nos Estados Unidos, mas começou a repensar o assunto em 1974, quando passou a ser um defensor da vida. Nesse livro, refere-se aos diversos métodos abortivos e ao consequente sofrimento causado ao feto. Ao descrever, por exemplo, o sistema de aspiração, relata que no momento em que um aspirador foi introduzido no útero materno, o feto procurou desviar-se e seus batimentos cardíacos quase dobraram, quando o aparelho o encontrou. Assim que seus membros foram arrancados, sua boca abriu-se, o que deu origem ao título de um outro estudo do mesmo médico: “O grito silencioso”.
Relata, ainda, que no método da injeção com substância salina, injetase o veneno no feto que leva mais de uma hora para morrer, expelindo a mãe um filho morto por envenenamento, em torno de 24 horas depois. Nos casos em que a criança já tem cerca de um quilo, o método é a cesariana e, depois, como ocorre nos abortários americanos, deixa-se a criança morrer, numa lata de lixo, apesar de ter nascido viva. A verdade é que nenhum método elimina a dor do nascituro, tanto que há quem levante a possibilidade de anestesiá-lo antes de dar continuidade à morte programada.
É preocupante, portanto, que, mesmo devendo ser guardião de uma Constituição que valoriza a vida, o STF se julgue na competência de substituir o Legislativo para autorizar que a pena de morte seja discricionariamente declarada aos que cometeram um único crime, qual seja: o de viver.
* Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito da Universidade Mackenzie
** Publicado originalmente no Estadão, em 05/09.
extraídadepuggina.org
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