editorial do Estadão
Ganha cada vez mais contornos místicos a narrativa do PT sobre os
dissabores político-penais de Lula da Silva. É verdade que o próprio
ex-presidente, em mais de uma ocasião, comparou-se a divindades, mas
agora, oficialmente impedido de concorrer à Presidência, o demiurgo faz o
que pode para encarnar a figura de um “messias”.
Na carta em que anunciou a candidatura de Fernando Haddad à Presidência,
escrita em seu escritório eleitoral em Curitiba e lida por seus fiéis
como se fosse a palavra divina revelada, Lula, depois de reafirmar pela
enésima vez que se considera vítima de um julgamento político, declarou
que “um dia a verdadeira justiça será feita e será reconhecida minha
inocência” – e então, como se fosse um versículo sobre a “Paixão” de
Lula ressuscitado, emendou: “E nesse dia eu estarei junto com o Haddad
para fazer o governo do povo e da esperança. Nós estaremos lá, juntos,
para fazer o Brasil feliz de novo”.
O tom manifestamente religioso da mensagem mal disfarça o verdadeiro
sentido dessa pregação lulopetista: anunciar que, se Haddad for eleito,
Lula espera ser beneficiado com a liberdade e, ato contínuo, tornar-se o
presidente de fato, enquanto o ex-prefeito de São Paulo estará lá
apenas para fazer figuração.
Uma campanha eleitoral feita nesses termos não tem como ser encarada com
seriedade. É absolutamente inútil discutir as ideias do candidato do PT
à Presidência, porque se trata somente de um regra-três – mencionado
apenas a partir do 12.º parágrafo da tal carta de Lula que, em tese,
deveria servir para apresentar Haddad aos eleitores.
Sendo assim, é ocioso especular se Haddad poderá, no decorrer da
campanha, moderar o discurso fanático adotado pelo PT desde a prisão de
Lula, a fim de conquistar eleitores fora da seita lulopetista. Mesmo na
hipótese de que resolva se apresentar como um candidato maleável,
disposto ao diálogo e comprometido de alguma forma com a
responsabilidade fiscal, o que poderia ser suficiente para acalmar um
pouco os que temem a radicalização prometida pelo discurso incendiário
lulopetista, Haddad provavelmente enfrentará dura oposição não de seus
adversários políticos, mas sim de seus próprios correligionários.
Os primeiros sinais desse atrito não tardaram a surgir. Antes mesmo de
ser anunciado como candidato, Haddad, segundo reportagem do Estado,
foi advertido pelas alas mais radicais do PT de que só aceitaram a
indicação de seu nome para disputar a Presidência porque Lula assim o
quis e não admitirão qualquer inflexão na campanha que sugira o
abrandamento da retórica vingativa do PT.
Assim, a carta de Lula e o início humilhante da campanha de Haddad
indicam um espírito francamente contrário ao que, na campanha
presidencial de 2002, resultou na famosa Carta aos Brasileiros – quando
Lula se comprometeu a manter os fundamentos da economia para domar a
aflição dos mercados e da sociedade ante a perspectiva de sua eleição.
Um movimento político como aquele na direção da moderação parece ser
impossível hoje, uma vez que o PT é prisioneiro de Lula – cujo único
propósito é sair da cadeia, mesmo que, para isso, tenha que desmoralizar
a própria eleição, a exemplo do que vem fazendo, aqui e no exterior,
com a Justiça brasileira.
Não surpreende, portanto, que haja profunda inquietação com a evolução
da campanha eleitoral. Há razões para acreditar que, se as forças do
centro político não se unirem e arregimentarem suficiente apoio
eleitoral, os brasileiros podem se ver diante da trágica situação de ter
de escolher o próximo presidente entre candidatos que se apresentam não
como futuros chefes de Estado, mas como representantes de seitas,
condição que os impedirá, mesmo que eventualmente queiram no futuro, de
dialogar com os brasileiros que não compartilham de suas crenças. Isso
serve tanto para o lulopetismo como para o bolsonarismo – cujos adeptos
também tratam seu líder, Jair Bolsonaro, como um “messias” e
provavelmente não aceitariam qualquer abrandamento do violento discurso
que notabiliza sua campanha. Mais do que nunca, o momento é de profunda
reflexão sobre os riscos que o País corre caso a razão seja preterida em
favor do fanatismo.
extraídaderota2014blogspot
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