editorial do Estadão
Realizou-se recentemente em Manágua, na Nicarágua, a 23.ª edição do Encontro do Foro de São Paulo, o convescote anual de partidos ditos de esquerda da América Latina. O que de lá emana evidencia a teimosia de não ver que o mundo mudou e, principalmente, que os chamados líderes de esquerda já perderam toda a aura de proeminência, alheios como estão ao destino e às aspirações da população que eles insistem em dizer que representam. São hoje pessoas enredadas em sérios problemas com a Justiça de seus países, como Cristina Kirchner e Lula da Silva, ou simplesmente assumiram, sem qualquer pudor, sua vocação autoritária, como é o caso de Nicolás Maduro, na Venezuela.
Deve-se reconhecer que o problema do anacronismo do Foro de São Paulo não é de hoje. Sua história mostra que ele já nasceu atrasado, a partir de uma visita em 1990 de Fidel Castro a Lula da Silva em São Bernardo do Campo, com o ditador cubano instando a que as forças de esquerda da América Latina oferecessem uma reação à queda do Muro de Berlim, ocorrida meses antes. A ideia foi criar essa instância de debates, para combater o “neoliberalismo” que “ameaçava” dominar a comunidade latino-americana.
As quase três décadas de debate não contribuíram, no entanto, para que essa turma percebesse que o mundo mudou. Continuam teimosamente presos a uma visão de mundo simplista, dividindo-o entre revolucionários e capitalistas. O documento preparatório da reunião é um conjunto de fórmulas feitas, com críticas, por exemplo, às “políticas que favorecem o monocultivo e a exportação exclusiva de matérias-primas e produtos básicos”. Conclamam a necessidade e a urgência de “formular e instrumentar um novo modelo econômico e social, cujo eixo seja pobreza zero” e admitem expressamente que ainda insistem “no sonho da Pátria Grande, única e indissolúvel, segundo os ideais de nossos próceres”.
Evidenciando sua cabal incapacidade de realizar qualquer autocrítica, o encontro abriu seus trabalhos com uma “Homenagem ao Eterno Comandante Fidel Castro Ruz”. E como dias antes um dos seus fundadores, Lula da Silva, havia sido condenado por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, a reunião em Manágua serviu para os mais variados atos de desagravo ao ex-presidente brasileiro. “A condenação de Lula se inscreve nos atos contra a vida democrática institucional do Brasil, quebrada já pelo golpe de Estado parlamentar contra a legítima presidenta Dilma Rousseff, ao que agora se soma a parcialidade do juiz Sérgio Moro, assim como a ausência de provas contra Lula”, disse, entre outras vozes alienadas da realidade, o Partido da Revolução Democrática (PRD), do México. Estão ainda hoje presos aos grilhões de uma ideologia que permite tão somente repetir que “Lula é inocente”.
Estivesse a influência do Foro de São Paulo restrita a essa ignorância voluntariosa, menos mal causaria. O grave é que a entidade, ao contribuir para a difusão de políticas, supostamente sociais, que só serviram para manter a população cada vez mais dependente das chamadas lideranças e organizações sociais, foi elemento de atraso econômico e social em boa parte da América Latina. Felizmente, o continente se vê cada dia um pouco mais livre dessa estreiteza de visão, com a ignorância ideológica de coloração marxista sendo cultivada apenas em guetos, como é o Foro de São Paulo.
A irrelevância do convescote em Manágua pode ser avaliada pelo fato de que a principal presença brasileira foi a da senadora Gleisi Hoffmann, ré em processo da Lava Jato. Entre outros objetivos, a presidente do PT foi manifestar “apoio e solidariedade” ao governo de Maduro, frente ao que chamou de “violenta ofensiva da direita”. Como fica evidente, as chamadas lideranças progressistas são cada vez menos populares. É o bom sinal de que a população latino-americana percebe, com nitidez crescente, que essa turma formada sob as barbas de Fidel Castro pouco entende de progresso. O seu legado é um tremendo atraso, que a muito custo se tenta agora remover.
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