editorial do Estadão
No momento em que o mundo político se encontra na berlinda, acossado por
denúncias de corrupção, seria razoável esperar que os políticos se
empenhassem mais do que nunca para demonstrar à opinião pública que
ainda têm algum compromisso com o País, e não somente com seus próprios
interesses. Contudo, quando se observa o que está sendo feito com a
urgente e imprescindível reforma política, constata-se, infelizmente,
que há parlamentares realmente indiferentes ao destino do País,
preocupados que estão somente em legislar em proveito próprio ou de
poderosos padrinhos.
Em um caso cuja desfaçatez dificilmente será superada, o deputado
petista Vicente Cândido, relator da reforma política na Câmara, incluiu
sorrateiramente em seu texto uma alteração no Código Eleitoral que, se
aprovada, impedirá a prisão de candidatos até oito meses antes da
eleição. O dispositivo que o parlamentar pretende modificar é o
parágrafo 1.º do artigo 236, segundo o qual nenhum candidato poderá ser
preso desde 15 dias antes da eleição até 48 horas depois do pleito,
salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal
condenatória por crime inafiançável. Trata-se de uma forma de evitar que
candidatos sejam alijados da disputa às vésperas da votação em razão da
decretação indevida de prisão provisória, baseada em falsa acusação.
Com indecorosa naturalidade, o petista Vicente Cândido pretende
transformar essa garantia legal em um instrumento para livrar da cadeia o
chefão de seu partido, o sr. Lula da Silva, já condenado em primeira
instância por corrupção e lavagem de dinheiro.
O deputado Vicente Cândido jura que sua proposta não se presta a salvar
Lula. Segundo o petista, trata-se de uma reação à “judicialização da
política”. Ou seja, o parlamentar pretende transformar o necessário
debate sobre os exageros de alguns promotores e juízes contra políticos
em argumento maroto para justificar a concessão de vergonhoso
salvo-conduto para Lula. Felizmente, a artimanha foi fortemente
rechaçada por vários parlamentares. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), disse que a proposta “não foi negociada com ninguém” e que
não deve prosperar.
Mas a “emenda Lula” não é a única aberração ora em discussão dentro da
reforma política. O relatório do deputado Vicente Cândido prevê também a
criação de um “Fundo Especial de Financiamento da Democracia”, que
destina 0,5% da receita líquida do governo federal para bancar os
partidos em tempos de eleição. Isso dá algo em torno de R$ 5,9 bilhões,
mas essa espantosa cifra não é o principal problema da proposta, e sim o
fato de que ela obriga o contribuinte a financiar entidades privadas
que deveriam ser sustentadas por seus simpatizantes, militantes e
eleitores.
Além disso, o relator da reforma propôs o sistema de voto em lista
pré-ordenada de candidatos – mecanismo que favorece os caciques
partidários, interessadíssimos em manter o foro privilegiado em razão
das agruras causadas pela Lava Jato. Mas seus colegas parlamentares
defendem algo ainda pior: o “distritão”. Trata-se de um modelo em que
são eleitos para o Legislativo apenas os candidatos mais bem votados em
cada Estado. Não por acaso, esse modelo é apelidado de “sistema
Tiririca”, pois favorece os candidatos célebres não em razão de suas
propostas, mas por sua visibilidade como figuras do mundo do
entretenimento. O “distritão” tende a beneficiar igualmente vários dos
atuais parlamentares, que já são conhecidos dos eleitores e, por isso,
monopolizam os recursos de seus partidos.
Está claro que, embora se dê a isso o nome de “reforma”, o que se tem é
uma série de gambiarras cujo objetivo é garantir que tudo fique como
está. Se quisessem de fato melhorar alguma coisa, os parlamentares
poderiam se empenhar um pouco mais em aprovar o fim das coligações para
as eleições proporcionais – artifício que deforma completamente a
representatividade do voto e permite toda sorte de mutretas entre
partidos – e em impor uma cláusula de barreira para liquidar os partidos
de aluguel. Não se deve esperar, é claro, que os políticos façam essas
mudanças por convicção. Que seja, então, por pudor.
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