por Fernão Lara Mesquita O Estado de São Paulo
Os objetivos e os métodos, o alcance e a extensão dos “malfeitos” de
Lula e de Temer nunca foram iguais, mas é impossível reduzir essas
diferenças a tipificações jurídicas. E como com a “privilegiatura”
vigente é preciso forçar ou até violar a lei para colocá-la a serviço do
fim da impunidade, fica fácil para os interessados em confundir tornar
“idênticos” os personagens e pleitear o desmonte dos processos de que
são réus. Mas o que, na verdade, inspira todo o debate que se trava em
torno deles não é o que ficou no passado, mas o que cada um propõe para o
futuro. Aí, sim, as diferenças são claríssimas.
Discutir o caso como se vivêssemos na Inglaterra, além de temerário, é
ridículo. O que está em jogo não são questões abstratas de coerência
interna de pedaços de pensamento, como querem fazer crer os argumentos
isolados do contexto que se ouvem nos tribunais, nos plenários e na
imprensa. Aqui, em pleno 3.º Milênio, nem a natureza do regime é uma
questão pacificada. O que está em causa é se teremos democracia só, com
três Poderes independentes uns fiscalizando e contrabalançando os outros
e o início da caminhada na direção da igualdade de direitos e deveres,
ou se vamos para o “excesso de democracia” sustentado pela violência que
nos tem sido apontado como o exemplo a ser seguido das cubas e
venezuelas que restam.
O fim desse calvário está em oficializarmos essa verdade simples. Cada
brasileiro dentro e fora do universo estatal, seja ele político, jurista
ou simples mortal, tem o direito de desejar o regime que quiser. Mas
deve vender seu peixe abertamente, e não persegui-lo nas sombras com
esse tiroteio de dossiês, tortuosidades jurídicas e gambiarras
regimentais que, nos tribunais ou no Legislativo, os rotos e os rasgados
disparam uns nos outros não para desmanchar a “privilegiatura”, mas
para disputar o comando dela.
A Lava Jato furou o abscesso e marcou uma virada histórica, mas não é
uma solução em si mesma. A repetição do padrão de distorção em todos os
casos examinados, seja qual for a filiação partidária e a ideologia
alegada, em três anos e meio de investigações mostra que o problema é do
sistema, não apenas das pessoas. Mas a ferramenta judiciária foi
desenhada para operar exclusivamente no universo do particular. Ela
serve para ajudar a varrer o velho, mas não serve para propor nem para
instalar o novo. Fazê-la substituir-se ao debate político e programático
necessários torna-a suscetível de ser instrumentalizada para a disputa
de poder, como já vinha acontecendo e ultrapassou todos os limites
depois da usurpação da marca de Curitiba por Brasília.
O outro lado da realidade que é preciso urgentemente reconhecer é que,
dados o esgotamento da economia pelo estado de obesidade mórbida
alcançado pela “privilegiatura” e a espiral em que entramos de
mortandade de empregos e negócios privados implicando a queda de
arrecadação e esta realimentando a mortandade, não fazer nada é a outra
maneira sub-reptícia de chegar a uma ditadura imposta pela violência
como resultado do caos que já anda a trote pelas ruas do País.
Não vamos consertar nossa política doente nem que sejam presos todos os
que trilharam os caminhos a que o sistema obriga se eles continuarem
sendo os únicos disponíveis. É impossível conseguir consistência
programática e governabilidade com 50 “partidos políticos” ganhando
mensalões legalizados do Estado, ou controlar a corrupção a que o custo
de eleições num modelo insano obriga, sem mudar o sistema eleitoral.
Nunca será justo nem razoável um Judiciário com instâncias sem fim
terminando num STF pautado por uma Constituição de 330 artigos e emendas
que regula do sexo dos anjos ao salário das empregadas domésticas.
Jamais deteremos a metástase do Estado, a colonização do serviço público
e a multiplicação dos privilégios enquanto houver um setor de emprego
no território nacional que legalmente dispensa a entrega de resultados e
arma uma casta do poder de apropriar-se do suor alheio em benefício
próprio.
Nossos sistemas partidário e eleitoral são, porém, tão fechados que
impedem a “solução francesa” de rápida renovação a partir de fora à la
Emmanuel Macron. Não há meio de introduzir ar fresco no nosso ambiente
político blindado nem rasgando o calendário eleitoral. A solução terá de
sair dos políticos e instituições que temos. É preciso, portanto, não
só impedir que se destruam mutuamente, como, principalmente, criar
caminhos dentro delas por onde a virtude, e não apenas o vício, possa
transitar.
Um programa nacional de “adesão premiada” à democracia poderia produzir o
milagre. Nada de muito complicado. Instituir a igualdade perante a lei
com uma reforma da Constituição que se comprometesse a excluir dela tudo
o que não vale para todo mundo, começando pelos privilégios do
funcionalismo ativo ou aposentado, seria um ato de incendiária
popularidade que daria à mudança o impulso que ela requer. A simples
adoção desse compromisso traria a valor presente uma boa parte do
benefício e faria a economia voltar a bombar desde o primeiro minuto,
mesmo que os prazos do acerto final fossem extensos. Desentortar o resto
do sistema de representação extinguindo o financiamento também de
partidos políticos, movimentos sociais, ONGs e quejandos pelo governo
desinfetaria o ambiente e abriria as portas do Brasil a uma verdadeira
democracia representativa, único antídoto eficiente jamais inventado
contra a corrupção. Eleições distritais com retomada de mandatos por
iniciativa popular (recall)
acabariam com o custo absurdo das proporcionais e toda a corrupção
relacionada. O direito de referendo das leis dos Legislativos municipais
e estaduais daria aos usuários a última palavra sobre a qualidade das
leis de que necessitam para viver e trabalhar em paz.
Temer está provando que não bastam meias reformas na direção certa. É
preciso propor a coisa inteira e oferecê-la como o programa
revolucionário de reconstrução nacional que a profundidade da crise
requer. Quem primeiro o fizer será, para sempre, o primeiro herói
brasileiro.
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