Paulo Briguet, em Folha de Londrina
Eu tenho certeza que você já pisou em um chão de caquinhos. Nos anos 60 e 70, esse tipo de piso era uma verdadeira febre nas casas e quintais de classe média. Feitos com lajotas de cerâmica quebradas, os pisos de caquinhos vermelhos, amarelos e pretos até hoje pertencem ao nosso cotidiano e podem ser encontrados nas cidades brasileiras. Qual é a criança hoje com mais de 40 anos que nunca brincou ali?
Outro dia, por indicação do meu amigo Alexandre Fabian, li um artigo que explicava a origem do chão de caquinhos. Nos anos 50, a cidade de São Paulo era a maior produtora de cerâmica do Brasil. Ocorre que, na hora do transporte e do carregamento das lajotas, muitas peças se quebravam. Foi quando um operário da Cerâmica São Caetano resolveu juntar os cacos e utilizá-los em forma de mosaico no chão de sua casa, provavelmente no lugar do antigo piso vermelhão. A moda pegou, e por boas razões: primeiro, que ficava bonito; segundo, que era resistente e fácil de limpar; terceiro, que evitava desperdício de material. Esse operário, do qual infelizmente não sabemos o nome, era um ecologista avant la lettre, e fez uma bela reciclagem antes que o termo existisse. Mondrian não faria melhor!
A febre dos pisos de cerâmica quebrada logo se espalhou por todo o Brasil. Quem deve conhecer bem essa história é o meu amigo João Baptista Bortolotti, célebre arquiteto e urbanista londrinense. Isso porque ele trabalhou com seu pai na famosa Cerâmica Mortari, cuja chaminé pode ser vista até hoje por quem passa pela Avenida Leste-Oeste, antiga estrada de ferro.
Na 1ª Carta aos Coríntios, São Paulo Apóstolo fala em três virtudes teologais, aquelas que Deus gosta de cultivar em nossa alma: fé, esperança e amor. A fé e o amor são fundamentais para a salvação do homem, mas costumam fraquejar. Ninguém tem fé absoluta e amor absoluto o tempo todo. Nessas horas, a virtude responsável por nos manter em pé é a esperança. Nas palavras do poeta Charles Péguy, a esperança é uma meninazinha de nada que, no entanto, nos faz dar a volta ao mundo.
Nós somos semelhantes ao chão de cacos que o operário inventou. Mesmo reduzidos a fragmentos, mesmo despedaçados pelos golpes da vida, conseguimos recompor o mosaico de nossos erros e acertos, abrindo um caminho para o perdão. Como diz o poeta T. S. Eliot: "These fragments I have shored against my ruins" (Com estes fragmentos escorei minhas ruínas).
E sabem onde eu fui encontrar um chão de cacos? Aqui bem perto de casa, no Santuário Eucarístico Mariano, onde Madre Leônia e Dom Geraldo Fernandes, nos anos 50, talvez ao mesmo tempo em que aquele operário teve sua ideia brilhante, criavam aqui uma congregação religiosa que hoje espalha fé e amor por cinco continentes.
A esperança é essa meninazinha que dá a volta ao mundo. Péguy só se esqueceu de dizer que, às vezes, ela anda sobre um chão de caquinhos de cerâmica.
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