editorial do Estadão
Como o andamento da Operação Lava Jato tem mostrado, o instrumento da
delação premiada pode ser muito útil às investigações criminais,
rompendo o silêncio e a cumplicidade das organizações criminosas. O
Estado oferece um significativo benefício na pena do criminoso em troca
de informações que permitam elucidar outros e maiores crimes. Foi assim
que a força-tarefa em Curitiba conseguiu destampar o maior conjunto de
escândalos de corrupção da história do País, envolvendo a Petrobrás,
grandes empreiteiras e partidos políticos.
São precisos, no entanto, alguns cuidados para que a delação premiada
continue contribuindo para o combate à impunidade, sem se transformar em
mera manobra para que criminosos diminuam suas penas. Recentemente, foi
revelado que o Ministério Público Federal (MPF) pediu ao juiz Sérgio
Moro, da 13.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, que não aplique os
benefícios dos acordos de colaboração premiada de Paulo Roberto Costa e
seus familiares, pois eles teriam mudado partes de suas versões sobre a
destruição e a retirada de documentos do escritório da Costa Global no
dia em que o ex-diretor foi detido pela Polícia Federal, em 20 de março
de 2014.
A verificação da veracidade das informações prestadas pelos delatores é
uma elementar medida de prudência. O colaborador da Justiça deve
responder por aquilo que afirma. E no caso de haver discrepâncias, como o
MPF afirma ocorrer nas declarações de Paulo Roberto Costa, os
benefícios concedidos devem ser suspensos. A delação premiada é um
acordo. Se uma parte não entrega o que prometeu – informações verídicas e
completas –, não deve ter direito às vantagens combinadas. No caso de
Paulo Roberto Costa, por exemplo, entre os benefícios acordados estava o
“regime aberto de cumprimento de pena nas condenações relativas a novas
acusações oferecidas, mesmo sem o preenchimento dos requisitos legais”.
Além de conferir se as informações prestadas pelos delatores
correspondem à verdade, o Ministério Público deve estar especialmente
atento antes da celebração do acordo de colaboração premiada. Nessa
matéria, não cabe uma aplicação rotineira dos requisitos legais, já que a
legislação brasileira relativa à delação premiada é especialmente
generosa com os delatores. Em outros países, é habitual permitir apenas
um único colaborador da Justiça para cada crime. Aqui não há uma
restrição ao número de delatores, o que poderia ocasionar abusos. Mesmo
estando dentro da lei, seria um descaso com a moralidade pública se, por
exemplo, todas as pessoas envolvidas em determinado crime dessem uma
informação adicional aos investigadores e ao final todas obtivessem uma
redução de pena.
É preciso, portanto, cuidado na hora de celebrar os acordos de
colaboração, assegurando, além do preenchimento dos requisitos legais, o
estrito cumprimento da finalidade para a qual existe o instrumento da
delação – ser um aliado no combate à impunidade, e não mero caminho de
afrouxamento das penas.
Essa difícil tarefa de decidir sobre a oportunidade de cada acordo de
delação premiada torna-se ainda mais complicada quando se trata de
pessoas que estão no cume da hierarquia das organizações criminosas.
Certamente, quem ocupou essas posições tem ciência de muitos crimes e
pode servir como fonte de informação de muitos fatos relevantes. É
compreensível que os investigadores queiram obter as preciosas
informações desses criminosos. Não há dúvida, por exemplo, de que alguns
políticos atualmente presos podem delatar muitos outros crimes.
No entanto, ao decidir sobre a oportunidade de um acordo com esse tipo
de gente, não basta o Ministério Público ter a convicção de que a
delação servirá para obter novas informações sobre outros crimes. Se for
assim, torna-se um trunfo ser uma liderança criminosa, em razão das
informações que detém. A justiça pede justamente o oposto – que os
líderes do crime sejam exemplarmente punidos, na exata medida de sua
responsabilidade.
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