por Denis Lerrer Rosenfield O Estado de São Paulo
A política brasileira obedece, hoje, a um imperativo de ordem ética. A
corrupção dos agentes políticos é condenada veementemente, não se
admitindo mais nenhum crime dessa natureza. A derrocada do PT e o
impeachment da ex-presidente Dilma são frutos de todo um amadurecimento
da sociedade, da opinião pública.
As manifestações de rua corroboraram essa mudança, selando o destino do
governo anterior. Mudanças de moralidade pública foram exigidas. O
governo que a elas não se adequar corre um sério risco de legitimidade e
mesmo de existência.
A ascensão do presidente Temer inscreve-se num processo de renovação
política baseado em duas ideias orientadoras: a da racionalidade
econômica e a da renovação ética. A sociedade já não admite mais do
mesmo.
No que diz respeito às medidas econômicas, o novo governo apresenta uma
face reformista, contrastando com os governos anteriores, que levaram o
País à ruína. Privilegiou a relação com o Congresso, ciente da
necessidade de aprovação dessas reformas essenciais.
Em pouco tempo, muito foi feito: a aprovação da PEC do Teto do gasto
público, visando a equilibrar despesas e receitas; o encaminhamento da
reforma Previdenciária, imprescindível para o equilíbrio das contas
públicas; o encaminhamento da modernização da legislação trabalhista,
sem a qual o País ficará preso a uma época revoluta; a
profissionalização da gestão da Petrobrás, tornada um antro de corrupção
partidária e pessoal; e assim por diante.
Já no que tange à questão ética, o novo governo deixou a desejar. Vários
ministros com problemas judiciais e delatados vieram a fazer parte de
sua equipe. Não deveriam ter sido escolhidos. A percepção da sociedade
foi de que nada havia mudado nesse quesito. A imagem presidencial foi
duramente afetada.
O afastamento de alguns logo nos primeiros meses mostrou o descompasso
entre o governo e a sociedade. As delações da Odebrecht potencializaram
esse problema, que ficará ainda mais agudo quando elas vierem a público,
seja por vazamentos ou pelo levantamento do sigilo.
Tornou-se premente uma atitude presidencial que fizesse face a essa
questão, não blindando ninguém. O Brasil é muito maior que seus
governos. A sobrevivência de ministros não pode estar acima do interesse
nacional.
Foi necessário estabelecer uma linha de corte que desse voz à sociedade e
assegurasse as condições de governabilidade. Nenhum governo pode
indefinidamente responder a uma delação por semana, pois se algumas são
fundadas, outras não são.
O critério estabelecido pelo presidente foi afastar provisoriamente
ministros envolvidos na Lava Jato que sejam denunciados pela
Procuradoria-Geral da República (PGR). O afastamento será definitivo
quando acolhida a denúncia pelo STF e o ministro se torna réu.
Dois problemas são, assim, evitados: a permanência indefinida de um
ministro até ter sua condenação transitada em julgado, o que leva anos, e
a não aceitação de qualquer delação como critério de afastamento. Este
deve estar alicerçado num conjunto consistente de provas, tal como
elaborado pelo Ministério Público (MP).
Note-se que o discurso presidencial foi principalmente dirigido à
sociedade, com o claro intuito de estabelecer um diálogo com a opinião
pública. A mensagem foi pública, não apenas endereçada ao Congresso.
Mandou, ao mesmo tempo, um recado a seus ministros: se for comprovado
seu envolvimento com crimes da Lava Jato, serão obrigados a partir. De
nada servirão as tentativas insossas de alguns de se eximirem de
delações simplesmente dizendo que não foram condenados ou que rechaçam
com veemência as acusações.
As reações de certos meios de comunicação foram, porém, despropositadas,
a serviço de filopetistas interessados em atacar o governo Temer.
Convém notar que alguns jornalistas chegaram a afirmar que o presidente
tinha apenas blindado seus ministros, o contrário da mensagem
presidencial, que reiterou apoio à Lava Jato. Mais sensatos, outros
observaram que Michel Temer pusera uma corda no pescoço de vários de
seus assessores.
Partindo da “tese” da blindagem, os defensores de tal posição produziram
medianas das denúncias apresentadas pela PGR ao STF para simplesmente
dizerem que, sendo estas superiores a um ano e meio, ninguém será
afastado. Ora, a denúncia do ex-deputado Eduardo Cunha demorou cinco
meses, o que significa dizer que um movimento semelhante da sociedade e
das ruas obrigaria ministros envolvidos a se afastar no próximo mês de
julho, se não antes.
É, doravante, responsabilidade da PGR e do STF produzir denúncias e
julgar. Deverão prestar contas à Nação de seus atos e de sua morosidade.
Se nada fizerem em relação aos acusados, serão cúmplices da impunidade.
A atenção da sociedade voltar-se-á contra eles e poderão, então,
tornar-se alvos de manifestações populares.
O procurador Rodrigo Janot deverá ter a celeridade dos promotores de
primeira instância em Curitiba e no Rio de Janeiro, sob pena de
converter-se em símbolo da procrastinação. Se optar pela lentidão, o
“Fora Janot” poderá ganhas as ruas.
O País ver-se-á diante de uma nova configuração política, com a opinião
pública se defrontando com os mais diferentes tipos de fatos e focando
sua atenção não mais apenas no governo, mas, também, no MP e no STF.
No próprio Ministério Público e no Judiciário produzir-se-ão vazamentos
com o intuito não somente de pôr em questão vários ministros, mas também
visando a acelerar as denúncias e o seu acolhimento pelo Supremo. Os
ministros começarão a sangrar desde a divulgação das delações até sua
conversão em denúncias. E entre estas e seu acolhimento, a posição deles
se tornará insustentável.
A partir da linha de corte introduzida pelo presidente Michel Temer, não
há blindagem possível, uma vez que a sociedade se manifeste e a
imprensa e os meios de comunicação em geral cubram adequadamente os
processos em curso.
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