Sérgio Roxo
O Globo
No caso dos inquéritos concluídos no mesmo período, o índice de prescrição ou repasse para instâncias inferiores foi de 38,4% (379 casos). Em apenas 5,8% dos 987 inquéritos houve decisão desfavorável ao investigado com abertura de processo penal.
— O números mostram que é muito mais vantajoso para os réus serem julgados no Supremo — afirma Ivar Hartmann, coordenador do Supremo em Números da FGV.
VÁRIOS CRIMES – Dessas 404 ações, 136 tratavam de crimes contra o meio ambiente, 39 de casos relativos à lei de licitações e 30 de crimes de responsabilidade. Outras 26 eram referentes à formação de quadrilha, 25 de peculato, oito à corrupção passiva e cinco, corrupção ativa.
O foro privilegiado beneficia milhares de pessoas no Brasil, do presidente da República a prefeitos, passando por promotores, juízes e membros de tribunais de contas. A força-tarefa da Lava-Jato estima que cerca de 22 mil autoridades são contempladas pelo privilégio atualmente no país.
O STF é responsável por julgar presidentes, ministros e parlamentares. Ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), cabem os casos que envolvem governadores, membros de tribunais de contas e desembargadores dos Tribunais de Justiça. Já os tribunais regionais federais julgam os membros do Ministério Público Federal e os juízes federais de primeira instância. Além disso, cada estado define os foros nas unidades da federação. Em geral, as constituições estaduais concedem o benefício a prefeitos, juízes e promotores do Ministério Público Estadual (MPE).
FORO ESTADUAL – No caso do Rio, a constituição estadual define em seu artigo 161 que têm direito ao foro privilegiado para serem julgados pelo Tribunal de Justiça o vice-governador, os deputados estaduais, os secretários de estado, os juízes estaduais, os membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, das Procuradorias do Estado, os delegados de polícia, os prefeitos, os vice-prefeitos e os vereadores. Já em São Paulo, o benefício não atinge vice-prefeitos, vereadores, delegados e membros da Defensoria Pública e das Procuradorias Gerais.
O promotor Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, defensor do fim do foro, destaca que os tribunais foram concebidos apenas para apreciar recursos de decisões da primeira instância e não para colher provas na fase de instrução da ação, como é necessário nos processos penais. “Instruir processos nos tribunais é uma aberração. Isso leva à inviabilização da Justiça” — diz Livianu.
PROTEÇÃO AO CRIME – Para o promotor, o benefício ajuda a prorrogar carreiras de políticos envolvidos em escândalos. “Vemos uma série de pessoas que têm mandato e se sustentam usando como escudo o foro privilegiado. Temos, por exemplo, um político que até pouco presidia o Senado, alvo de 12 investigações criminais e réu por peculato” — afirmou Livianu, referindo-se ao ex-presidente do Senado e atual líder do PMDB na Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Em dezembro do ano passado, o STF acolheu denúncia contra Renan por desvio de dinheiro público em um caso que havia sido revelado em 2007. Na denúncia, Renan também fora acusado pelos crimes de falsidade ideológica e apresentação de documento falso, mas o STF entendeu que esses delitos já estavam prescritos.
Ainda na avaliação de Roberto Livianu, o foro privilegiado, além de inviabilizar o funcionamento da Justiça e contribuir para o aumento da impunidade, fere os princípios de uma sociedade democrática. “A própria ideia de privilégio é incompatível com a essência democrática de igualdade de todos perante a lei. A cultura do privilégio guarda uma relação que relembra a monarquia. Não é compatível com os princípios republicanos” — acrescenta Livianu. “O foro é não só desnecessário como ruim para a democracia” — concorda Ivar Hartmann.
PROJETO PARADO – Em novembro do ano passado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou uma proposta de emenda constitucional (PEC), de autoria de vários parlamentares, para acabar com o foro.
A proposta, que acaba com o benefício para todas as autoridades brasileiras nos casos de crimes comuns, inclusive para o presidente da República, não tem data para ser votada em plenário. Parte dos senadores têm resistência ao projeto.
EXTRAÍDADETRIBUNADAINTERNET
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