por Rodrigo da Silva
Brexit,
Trump, Theresa May, impeachment de Dilma. Definitivamente são tempos
difíceis para defender ideias de esquerda. Mas nada é tão complicado
quanto parece. Por mais teorias que sejam criadas para tentar entender
este fenômeno – crise dos refugiados na Europa, crise econômica na
América Latina, problemas de imigração e de estagnação salarial da
classe operária nos Estados Unidos – não é tão difícil imaginar a razão
pela qual a esquerda vive seu momento mais impopular no planeta ao menos
desde a queda do muro de Berlim.
Se você é
um partidário desse ideal, conectado em algum lugar deste espectro
político – da social democracia ao sindicalismo revolucionário – talvez
seja a hora de encarar o espelho e admitir que a atual forma de passar a
sua mensagem adiante, num tempo em que as redes sociais se tornaram
verdadeiras praças públicas, cercadas por púlpitos de todos os lados,
não vem angariando a simpatia de muita gente.
Comece pela parte mais óbvia dessa história.
Toda vez
que você nega um debate, você perde. Toda vez que você sai gritando
fascista pro primeiro cara que aparecer na sua frente não concordando as
suas ideias, você perde. Toda vez que você age de forma truculenta em
universidades que promovem encontros com pessoas que não fazem parte do
seu espectro político, você perde. Toda vez que você se fecha numa
bolha, você perde.
É muito
fácil acreditar que todas as pessoas que não seguem as mesmas ideias que
a nossa agem impulsionadas pelos piores sentimentos do mundo. É
confortável. E nos leva a uma batalha necessária. “Ora bolas, eu luto
contra os liberais porque eles não gostam dos mais pobres”, você pode
fingir pra si mesmo. Mas quanto disso é real? Absolutamente nada. A
principal diferença entre a maior parte das pessoas que, com boas
intenções, defendem ideias mais liberais em relação aos antiliberais é
que elas divergem na maneira de como encontrar uma sociedade mais
harmoniosa e próspera, inclusive para os mais pobres.
Não é, por
exemplo, como se os liberais fossem contra a maior parte das leis
trabalhistas porque defendem os interesses dos patrões. Pelo contrário.
Fazem isso amparados por critérios racionais, entendendo que boa parte
dessa legislação mais atrapalha do que ajuda o desenvolvimento dos
trabalhadores. E acredite, há bons argumentos, amparados por uma boa
literatura econômica, que corroboram isso.
Você pode
dar de ombros pra toda essa história, mas há alguns conceitos que são
praticamente consenso entre os economistas. Como retrata esta pesquisa
realizada pelo Gregory Mankiw, professor de economia em Harvard e autor
de um dos livros-textos mais bem sucedidos na área, 79% dos economistas
acreditam que um salário mínimo aumenta o desemprego entre
trabalhadores jovens e menos qualificados (e adivinhem só em qual perfil
sócio-econômico encontram-se os trabalhadores “menos qualificados”?).
93% dos economistas também creem que tarifas e cotas de importação
geralmente reduzem o bem-estar econômico geral – ou seja, defendem o
livre comércio e a globalização que vocês tanto acusam de prejudicar os
mais pobres. E não acaba por aí. 83% deles acreditam que um grande
déficit orçamentário federal, quando o governo não possui
responsabilidade fiscal, tem um efeito adverso na economia. E 85%
defendem que a diferença entre os fundos e os gastos de previdência se
tornará insustentável nos próximos cinquenta anos se as regras atuais se
mantiverem inalteradas.
Tudo isso é
corroborado por milhares de livros, e papers, e teses, e argumentos
sólidos. Você pode questioná-los, evidentemente. Ninguém é dono da
razão. Mas não pra gente fingir que todo mundo que defende essas ideias é
fascista, que tem aversão a “pobre andando de avião” e quer entregar a
soberania nacional ao controle dos ianques, não é mesmo? Sobra teoria da
conspiração, falta argumento.
Ou vocês
realmente acreditam que as pessoas que não defendem ideias de esquerda,
escolhem esse caminho graças a um suposto elitismo que as torna mais
suscetíveis a reclamar da presença dos mais pobres nos aeroportos ou
questionar um aumento de salário real dos trabalhadores? Cá entre nós,
ninguém leva isso a sério de verdade. Parte considerável dessas defesas
acontecem justamente porque liberais acreditam que esses pontos melhoram
o bem-estar geral da população. Não o contrário.
E o que
sobra além disso? Acusar as demais pessoas de intolerantes. E aqui nós
temos uma coleção de adjetivos. Homofobia, lesbofobia, transfobia,
xenofobia, racismo, machismo. E eu sei que esses são problemas reais,
que atingem incontáveis pessoas ao redor do mundo – problemas que devem
ser discutidos, não deixados de lado. Mas isso não torna ninguém
autorizado a sair por aí banalizando qualquer conduta como intolerante,
apontando o dedo sem o menor critério – ou melhor, tendo como critério
muitas vezes apenas diferenças ideológicas.
Parte da
esquerda, associada ao movimento negro, está nesse momento literalmente
xingando uma pessoa com câncer por usar um artefato para esconder sua
falta de cabelos. Não dá pra gente fingir que isso é saudável pra
mensagem que vocês tentam vender para o mundo, não é mesmo? Afinal, como
as pessoas estarão dispostas a ouvir o que vocês têm a dizer sobre esse
assunto quando ele é colocado em pauta dessa forma? Quando exageramos
na dose, problematizando qualquer cenário, dando ênfase a supostas
microagressões, nós minimizamos o debate do mundo real, que assola seres
humanos de carne e osso. E questões sérias, necessárias ao nosso
processo civilizatório, acabam desmerecidas, banalizadas.
A
consequência inevitável disso tudo? A mensagem permanece intocada, presa
dentro de uma parcela politizada da classe média. E vocês abraçam com
ênfase esse conceito ao defender aquilo que em terras imperialistas é
conhecido como safe space, uma espécie de retiro intelectual
das ideias que a esquerda discorda. Por aqui, ela acontece o tempo todo –
a cada vez que um oponente liberal é silenciado aos gritos de
“golpista” ou sempre que falsos-debates são organizados sem direito ao
contraditório.
Quer
dizer, não é como se vocês, exercendo o sagrado direito de discordar das
opiniões alheias, debatessem, esclarecessem e apresentassem soluções
melhores, convencendo pessoas de todos os campos do tabuleiro político a
seguir suas linhas de pensamento. Pelo contrário: atualmente é mais
fácil que vocês se escondam atrás de uma noção de supremacia ideológica
que não apenas centraliza toda capacidade racional da humanidade, como
monopoliza a bondade da nossa espécie. Em geral, é como se qualquer
figura não conectada aos valores de esquerda estivesse necessariamente
jogando no time dos alienados, no campeonato dos analfabetos políticos.
Há
certamente, concordo, um desencanto da população brasileira com as
ideias de esquerda após o esgotamento da imagem do Partido dos
Trabalhadores. Mas trancafiar-se numa redoma de vidro, escondidos em
guetos universitários, desdenhando seus opositores como arqui-inimigos
de histórias em quadrinho, clamando pra si uma superioridade moral
irredutível, não os tornará levados a sério por quem quer que seja.
O fato é
que quanto mais vocês abraçam a arrogância da juventude, que finge
monopolizar o conhecimento e os instrumentos necessários para mudar tudo
aquilo que está errado no mundo, pedante a ponto de achar que
conseguirão passar imune à ausência do debate de ideias, gritando de
forma histérica, fingindo abraçar o diferente enquanto agridem qualquer
livre pensador que lhes passar pelo caminho, mais presos estarão às suas
condições incomunicáveis, de gente que nasce e morre no Leblon e na
Avenida Paulista, que se acha especial porque leu Pablo Neruda e
assistiu aos filmes do Truffaut, em suas programações de finais de
semana pequeno-burguesas, lutando por pautas de classe média travestidas
de luta popular, perdendo eleição atrás de eleição.
E não é
como se essa fosse uma grande novidade. Mesmo figuras progressistas,
como o americano Bill Maher, já denunciaram a estupidez dessa tática há
algumas semanas.
E Maher não é o único. Em outro vídeo,
Jonathan Pie, um repórter fictício de esquerda criado pelo comediante
britânico Tom Walker, levantou as mesmas questões após a vitória de
Trump.
Mesmo Bernie Sanders, pré-candidato à corrida presidencial americana, que se declara um socialista democrata e foi abraçado por parte considerável da nova esquerda, deu à retórica politicamente correta o papel de destaque na ascensão de Trump ao cargo mais poderoso do planeta:
O que a esquerda vem ganhando ao se ausentar do debate, se escondendo atrás de espaços-seguros, protocolando lugares de fala, se ofendendo com qualquer bobagem e tratando todos os seus opositores com desdém? Pouca coisa. Em geral, é mais fácil que seu afastamento do confronto de ideias dê o monopólio do palanque de presente aqueles que ela mais rejeita.
Mas a gente sempre pode supor que as seguidas derrotas ao redor do mundo não passam de uma grande coincidência, claro. E você pode agora mesmo acusar esse texto de ter sido escrito por um alienado, analfabeto político, editor de uma publicação que você faz biquinho toda vez que encara no feed da sua rede social, e fingir que nada disso faz o menor sentido.
EXTRAÍDADESPOTINIKS
Mesmo Bernie Sanders, pré-candidato à corrida presidencial americana, que se declara um socialista democrata e foi abraçado por parte considerável da nova esquerda, deu à retórica politicamente correta o papel de destaque na ascensão de Trump ao cargo mais poderoso do planeta:
“Trump disse que ele não seria politicamente correto. Acho que ele disse algumas coisas escandalosas e horripilantes, mas acho que as pessoas estão cansadas da mesma velha retórica politicamente correta.”
O que a esquerda vem ganhando ao se ausentar do debate, se escondendo atrás de espaços-seguros, protocolando lugares de fala, se ofendendo com qualquer bobagem e tratando todos os seus opositores com desdém? Pouca coisa. Em geral, é mais fácil que seu afastamento do confronto de ideias dê o monopólio do palanque de presente aqueles que ela mais rejeita.
Mas a gente sempre pode supor que as seguidas derrotas ao redor do mundo não passam de uma grande coincidência, claro. E você pode agora mesmo acusar esse texto de ter sido escrito por um alienado, analfabeto político, editor de uma publicação que você faz biquinho toda vez que encara no feed da sua rede social, e fingir que nada disso faz o menor sentido.
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