José Casado: O Globo
Aconteceu há 25 anos. No fim da tarde de sexta-feira, 17 de fevereiro de
1992, um empresário do setor de higiene hospitalar foi recebido pelo
presidente de uma instituição pública de saúde. Tenso, entregou-lhe um
envelope com dinheiro, sete milhões, já explicando que ainda não
conseguira os outros sete combinados. Era parte da propina de 10%
exigida para novo contrato de limpeza.
— Quando vem o resto?
Luca Magni ouviu, ajeitou o paletó com a caneta transmissora no bolso, e respondeu:
— Na próxima semana.
O empresário saiu, policiais entraram e prenderam o presidente do
serviço de Saúde, Mario Chiesa, político do Partido Socialista Italiano
que sonhava ser prefeito de Milão.
Ninguém ali podia imaginar, mas protagonizavam um evento que, pela
década seguinte, revelaria uma Itália dominada pela corrupção.
Empresários, políticos e servidores compunham uma engrenagem de roubo de
dinheiro público.
Mãos Limpas, codinome dessa ação judicial italiana, está no DNA da Lava-Jato brasileira.
Foi relatada em obra dos repórteres Gianni Barbacetto, Peter Gomez e
Marco Travaglio. A recente edição no Brasil tem prefácio de um juiz
federal em Curitiba, Sérgio Moro. Exige fôlego (896 páginas), mas a
leitura flui como em “Lava Jato”, de Vladimir Netto. São livros
complementares.
Os italianos narram uma história de império da Justiça até a forte
reação legislativa dos corrompidos, apoiados pelos corruptores. Nessa
encruzilhada hoje se encontra a Lava-Jato.
Lá, em oito anos, foram investigadas 6.059 pessoas — entre elas, 483
parlamentares, dos quais quatro ex-primeiros-ministros. Contaram-se
2.993 prisões e cerca de mil condenações. Empresários se suicidaram,
sobreviventes se beneficiaram da anistia autoconcedida pelos políticos.
Aqui, em quase três anos, são 788 investigados com 188 prisões — 90%
empresários, e um político com mandato. Contam-se 120 condenações na
primeira instância judicial.
Até dezembro, apenas três ações haviam sido abertas contra parlamentares no Supremo.
Uma contra o deputado federal Nelson Meurer (PP-PR) e duas contra
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), enviadas a Curitiba depois da sua cassação.
O Supremo terminou 2016 aguardando decisão da Procuradoria-Geral sobre
58 inquéritos sem denúncia formalizada, de acordo com o relator no STF,
Teori Zavascki. Desses, 25 (ou 43%) estavam na polícia ou no Ministério
Público. O restante fora ao arquivo (seis casos), juntados ou
redistribuídos a outros juízes (27).
Um mês antes de morrer, na segunda-feira 19 de dezembro, o juiz Zavascki
exibiu uma planilha com essas informações. Quis deixar claro que estava
“em dia” com os processos — numa crítica indireta ao ritmo da
Procuradoria-Geral. Sua ausência estimulou alguns no governo e no
Congresso a redobrar a aposta num “grande acordo nacional”, como
prescrevia o senador Romero Jucá (PMDB-RR), depois do carnaval do ano
passado:
— Com o Supremo, com tudo...
— Aí parava tudo — retrucou o dono do gravador, Sérgio Machado, ex-presidente da estatal Transpetro.
— É. Delimitava onde está, pronto — arrematou o senador.
No Congresso sobram evidências de tentativas para um certo “acordo
nacional”. O problema é o mesmo do último carnaval: falta combinar com a
rua.
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