José Nêumanne:
Um erro e um acerto neste instante em que compõe a delicada costura da
equipe ministerial de um governo anunciado, mas ainda apenas cogitado,
mostram que o quase presidente Michel Temer vai precisar de boas doses
de juízo e sorte, se vier mesmo a ocupar a presidência da República
semana que vem. Para começar, ele está sendo posto à prova na hora de
escolher quem chefiará as pastas da Justiça e da Fazenda, que mais
merecem atenção e preocupação da população brasileira, assolada pelas
mais destrutivas crises moral, política e econômica da História.
Antes de nomear o ministro da Justiça, já se pode deduzir que sorte não
lhe faltou quando lhe foi dada a oportunidade de desistir da primeira
indicação ao posto que tem de enfrentar o descompasso entre a paixão das
massas e o medo de seus representantes. De um ministro equilibrado,
isento e competente depende o destino, de um lado, da Operação Lava
Jato, que devassa o espetacular escândalo de corrupção que assola a
República, reunindo Santo André, Mensalão e Petrolão. E, de outro, de
elites políticas e empresariais que gestaram e geriram um propinoduto
inimaginável, praticado no superfaturamento de obras e tenebrosas
transações contábeis. E que, saindo de uma antiga prática maligna
existente desde sempre e em todo lugar, ultrapassaram todos os limites
da usura e da indecência.
Professor de Direito Constitucional, advogado com longa prática e
político de experiência sabida com habilidade notória, Temer encontrou
na mesa que divide semanalmente em bons restaurantes de São Paulo o nome
indicado para ajudá-lo na caminhada sobre um piso de ovos em brasa.
Ocorreu-lhe um dos amigos mais próximos com a vantagem aparente de
também ser um advogado respeitado pela competência como age no exercício
de uma profissão que exige talento, conhecimento de causa e prática de
ofício. Antônio Cláudio Mariz de Oliveira dispõe de ótimo currículo para
assumir o posto e a missão. O problema é que parece lhe faltar a
temperança exigida, como demonstrou ao exibir a sede com que foi ao pote
ao dar entrevistas que o queimaram, a ponto de excluí-lo da lista de
preferências do amigo prestes a ocupar o posto mais poderoso da
República. Pelo visto, faltou-lhe calma para esperar a poeira assentar
antes de se apresentar sofregamente ao distinto público. E, em segundo
lugar, não parece ter tato diplomático para cuidar da loja de louças que
se configura a Polícia Federal (PF), que ficaria sob sua batuta.
O preferido de Temer para o Ministério da Justiça tornou-se inviável
para o cargo antes sequer de ser cogitado pelo amigo. Isso ocorreu
quando participou de um grupo de ilustres e bem remunerados advogados,
que defendem os próprios interesses e os de seus abastados clientes E
que se mostraram cegos e surdos à necessidade que o país sente e a massa
reconhece, a ponto de se apaixonar, de debelar a velha impunidade, raiz
de todos os males da política e da economia nesta República combalida. O
manifesto dos “juristas” contra a Operação Lava Jato partiu de duas
premissas equivocadas. A primeira é que nem todo criminalista é
necessariamente um respeitável jurista. E a segunda, que os excelentes e
aplaudidos resultados da devassa da PF, do Ministério Público Federal
(MPF) e do juiz federal do Paraná Sergio Moro na maior roubalheira de
todos os tempos no país, quiçá do mundo, não devem ser tratados como
lana caprina por um chefe de governo que substitui a desvairada chefona
de um desgoverno caindo sob o peso de denúncias na tal devassa.
Temer errou ao calcular mal o passo, dando-o na direção errada da
amizade e, com isso, esquecendo-se daquela frase famosa de Charles de
Gaulle, segundo a qual “a maior virtude de um estadista é a ingratidão”.
Nas entrevistas que deu aos jornais, Mariz de Oliveira nada disse que
já não tivesse dito antes. Mas só isso já foi o suficiente para que a
tempestade desabasse sobre sua cabeça. E bastou para seu nome ser
riscado do rol dos preferidos do futuro chefe do governo. Este mostrou
juízo ao perceber que foi uma sorte grande ter sido posto diante da
inviabilidade do indicado para a missão que imaginava lhe dar. Ao
preferir evitar a tempestade anunciada a enfrentá-la, Temer mostrou que
tem juízo. “Errar é humano”, diziam os fundadores do Direito romano.
“Mas insistir no erro é diabólico”.
O grave, no caso, é que Temer parecia não ter percebido que repetiria o
erro em sequência que Dilma Rousseff, sua antiga parceira de palanque e
atual inimiga figadal, cometeu nos últimos dias ao tentar substituir seu
agora advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, que era ministro
da Justiça. Ela nomeou dois procuradores da República e teve de jogar o
primeiro, Wellington César de Lima e Silva, ao mar. Mas manteve o
segundo, Eugênio Aragão, aos trancos e barrancos, com o pescoço sob a
lâmina afiada da espada de Dâmocles de uma contestação judicial no
Supremo. A contestação às nomeações infelizes da presidente provisória é
que ambos são promotores de carreira. A nomeação é proibida pela
Constituição vigente. Não por implicância dos constituintes, mas pela
evidência de que, sendo parte, o Ministério Público não é a carreira
adequada em que presidentes possam escolher chefes da pasta encarregada
de julgar qual dessas partes tem razão. A Constituição não proíbe que
criminalistas ocupem o Ministério da Justiça, mas a boa razão não
aconselha essa iniciativa, de vez que estes, principalmente os mais
notáveis, caso de Mariz, empenham seu talento e seu prestígio para
defender clientes acusados de corrupção pesada. É algo similar ao
ocorrido com o criminalista favorito de Lula da Silva, Márcio Thomaz
Bastos, competente defensor dele e de seus comparsas, mas inadequado
ministro da Justiça para a nação, exatamente quando mais esta precisa de
um.
Juízo e sorte Temer ainda mostrou ter no acerto: quando, diante da farta
oferta de economistas, escolheu e convidará, assim que puder, o mais
indicado de todos. Henrique Meirelles tem origem tucana, foi presidente
de uma grande instituição bancária internacional e comandou o Banco
Central nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva, principal prócer do
Partido dos Trabalhadores (PT). Para completar, este o indicou
insistentemente para o Ministério da Fazenda na sucessão de Guido
Mantega, na virada do primeiro para o segundo governo de sua pupila
Dilma Rousseff.
Mariz é o conviva que não o ajudaria na administração. Meirelles, o
favorito do principal adversário a enfrentar no eventual governo. Este,
sim, conforme tudo indica, terá autoridade, legitimidade e competência
para tocar o barco no mar revolto em que tentará comandar nosso
pedalinho sem rumo. Com as bênçãos do mercado interno e a melhor
reputação no externo, o membro do Partido Social Democrático, de
Gilberto Kassab, definido por este como “nem de direita, nem de centro,
nem de esquerda”, é pule de dez para a corrida de obstáculos em busca do
prêmio maior, o da confiança e da credibilidade dos grandes
investidores internacionais. Temer teve juízo ao nomeá-lo e sorte porque
ele lhe disse sim.
Constatados o juízo e a sorte do futuro chefe do governo, resta-nos
contar que produzam efeitos positivos para desanuviar o clima pesado que
contamina o ar. Disso dependerão a sorte do povo e o juízo dos colegas
de Temer no Congresso.
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