por Fernando Gabeira O GLOBO
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Há perdas na economia e na credibilidade do sistema político
Lula teve alguns momentos de sinceridade na última semana. Disse que
tanto ele como Dilma estavam no volume morto e que o PT só pensa em
cargos. Ele se referiu ao volume morto num contexto de análise de
pesquisas, que indicavam a rejeição ao governo e ao PT.
Nesse sentido, volume morto significa estar na última reserva eleitoral. No entanto, o termo deve ser visto de forma mais ampla.
Estar por baixo nas pesquisas nem sempre significa um desastre. Em
alguns momentos da História, o próprio PT, e disso me lembro bem, não
alcançava 10% dos eleitores, mas tinha esperança, e os índices não
abalavam sua autoestima. O volume morto em que se meteu agora é
diferente. Ele indica escassez da água de beber e incapacidade
energética, depois de 12 anos de governo. Foi um tempo em que, sob
muitos aspectos, andamos para trás.
Há perdas na economia, na credibilidade do sistema político, todo um
projeto fracassado acabou jogando o país também num volume morto. Há
chuvas esparsas como a Operação Lava-Jato, mas elas caem muito longe dos
reservatórios do PT. Tão longe que ajudam a ressecar ainda mais o
terreno lodoso que ainda abastece as torneiras petistas.
Lula pode estar apenas querendo se distanciar de Dilma e do PT. Ele a
inventou como estadista e agora bate em retirada. E quanto ao PT, quem
vai rebater suas críticas e arriscar o emprego e a carreira? Pois é esse
o combustível de seus quadros.
Há cerca de uma década escrevi um artigo intitulado “Flores para os
mortos”, no qual afirmava que uma experiência com pretensão de marcar a
História terminava, melancolicamente, numa delegacia de polícia. Foi
muito divulgado, e na internet usaram até fundo musical para
compartilhá-lo. O título é inspirado numa cena do filme de Luis Buñuel, a
florista gritando na noite: “Flores, flores para os mortos”.
Devo ter recebido muitas críticas dos petistas. Passados dez anos e
algumas portas de delegacia, hoje é o próprio líder que admite a
incapacidade política de Dilma e a voracidade dos seus seguidores.
Olho para esse tempo com melancolia. Ao chegar ao Brasil, os tempos do
exílio não pesavam tanto. O futuro era tão interessante, o processo de
redemocratização tão promissor que compensavam o passado recente. Agora,
não. O futuro é mais sombrio porque a tentativa de mudança foi uma
fraude, a própria palavra mudança tornou-se suspeita: poucos creem que o
sistema político possa realizar os anseios sociais.
Lula fala em esperança para sair do volume morto. Mas que esperança pode
arrancá-los do volume morto quando o próprio líder, apesar de sua
sinceridade ocasional, não consegue vislumbrar uma saída? Lula repete
aquela frase atribuída ao técnico Yustrich: “Eu ganho, nós empatamos,
vocês perdem”.
Lendo no avião uma entrevista do escritor argelino Kamel Daoud, muito
criticado pelos muçulmanos mais radicais do seu país. O título da
entrevista é: “Nem me exilar, nem me curvar”.
Uma de suas respostas me tocou fundo. O repórter perguntou: “Como você,
depois de viver anos ligado aos Irmãos Muculmanos, conseguiu escapar
desse mundo?”. “Leitura, muita leitura”, respondeu Kamel Daoud.
O resto da viagem fiquei pensando como teria sido bom para a esquerda
brasileira leitura, muita leitura, para poder escapar da sua própria
miopia ideológica.
Na verdade, ela mastigou conceitos antigos, cultivou políticas
retrógradas, como essa de apoiar o chavismo, e se perdeu nos escaninhos
dos cargos e empregos. Ela me lembra os jovens do filme “O muro”. Um dos
seus ídolos acaba como porteiro de hotel, e é melancólica a cena em que
os admiradores o descobrem, paramentado, carregando malas.
Leitura, muita leitura, não importa em que plataforma, talvez impedisse a
esquerda de ver seu predestinado líder proletário trabalhando como
lobista de empreiteiras. Talvez nem se chamaria mais de esquerda.
Um dos mais ricos petistas critica os outros por só pensarem na matéria.
A realidade surpreendeu todas as previsões da volta ao exílio,
tornou-se uma espécie de pesadelo.
Tomara que chova nos reservatórios adequados e as forças que caíram no
volume morto continuem por lá, fixadas na única esperança que lhes
resta: sobreviver.
O país precisa sair do volume morto, reencontrar um nível de
crescimento, credibilidade no seu sistema político. Hoje o país é
governado por um fantasma de bicicleta e um partido de míseros
oportunistas, segundo seu próprio líder, chamado de Brahma pelas
empreiteiras.
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