O espetáculo político da eleição dos presidentes das Casas do Congresso Nacional tem sido uma aula de xadrez político. Certo que o PT não teve força para impedir o controle do Parlamento pelo sócio tão rejeitado. Mas mobilizou todo o arsenal de poder que tem sobre a mídia para desacreditar e denunciar os nomes propostos, como corruptos incorrigíveis. As colunas de hoje de Eliane Cantanhede (Folha de São Paulo) e Raymundo Costa (jornal Valor Econômico) foram devastadoramente emblemáticas (escrevo em 31/01). Artigos antológicos, espelhos de toda a mídia posta a serviço do partido governante.
(Essa gente ainda colhe os galardões que achavam um dia que tinha para si: do monopólio da Ética que diziam ter. Tanto o PT quanto a sua mídia alugada são seres asquerosos. Vivem da mentira, da grande e da pequena, da cotidiana e da estrutural.)
Nem Henrique Alves e nem Renan Calheiros são piores do que as alternativas cogitadas nem, como sugeriu sabujamente Raymundo Costa, aqueles serão presidentes fracos, “desgastados por denúncias de corrupção”. O PMDB é forte sem ter as duas Casas e ficará mais forte ainda depois da eleição dos presidentes. Os patrões da mídia alugada não estão menos desgastados por denúncias de corrupção, sobretudo depois da conclusão do julgamento do Mensalão, que expôs as vísceras abertas do modo petista de governar. O condomínio de poder que explora o Estado brasileiro é corrupto até mais não poder e nenhum dos seus membros tem moral para levantar o dedo contra o outro.
Faltam ao PMDB a desenvoltura e, talvez, os recursos que tem o PT para um contra-ataque midiático. O massacre sobre Renan Calheiros foi tamanho que o PSDB teve que desapoiar o candidato e, cinicamente, liberar a bancada, que votaria de qualquer maneira no alagoano.
Nesse xadrez político fica sempre a pergunta de como esses grupos políticos tão diferentes – o liderado pelo PT e o liderado pelo PMDB – convivem no condomínio de poder. A uni-los certamente estão as práticas corruptas, sintomas da privatização do Estado para fins de enriquecimento das oligarquias políticas, novas e antigas. O PT tem a força da Presidência; o PMDB do Congresso. Nenhum tem como fazer o outro desaparecer. Convivem no arco de aliança porque, sem o Congresso, o PT perde a governabilidade e o PMDB, sem os ministérios, perde a fonte preciosa de renda de seus caciques e cabos eleitorais. Fazer oposição é caro demais e é o caminho mais curto para o ostracismo político. Todo mundo é governista no Brasil, em algum grau. Não há oposição de fato.
A riqueza do Estado, que concentra uma montanha recursos na forma de impostos e tem os instrumentos de concessão e regulação capazes de tornar alguém (amigo ou aliado) rico ou pobre (inimigos) obriga a existência dessa aliança esdrúxula e pouco natural. Mas o PT tem a vantagem da firmeza ideológica que, pouco a pouco, contaminou todo o cenário político. O exemplo do DEM e, agora, do PSD, é emblemático. A adesão ideológica foi total, sabuja, desoladora. Gente como Afif Domingos recitando a cartilha do socialismo ou do adesismo é acachapante: “nem direita, nem esquerda, nem centro”. Nauseabundo!
A crença geral é que, sem discurso progressista, não se elege. É a crença mais estúpida e contra a realidade política, basta ver o que se passa na Europa e nos EUA, onde grupos ideologicamente conservadores têm sido bem sucedidos. A antiga oligarquia política quis dar um golpe de judô na esquerda recitando o seu discurso e acabou ela própria sofrendo o contragolpe. Ao se prostituir ideologicamente afundou na mesmice política, que favorece apenas os verdadeiros revolucionários. A hegemonia ideológica precede a hegemonia política. O PT construiu os alicerces para obter aquilo que mais almeja: o poder absoluto, solitário, hegemônico. Sem dar um tiro. Tem a elite oligárquica tradicional a seus pés, inerme, prostrada ideologicamente, incapaz de reagir.
Nesse jogo, o PSDB ficou excluído, porque corre no mesmo campo ideológico do PT sem ter as convicções revolucionárias deste último. Tornou-se um ente vazio, perdendo, a cada eleição, votos preciosos. A derrota de José Serra na última eleição para prefeito mostrou bem isso. O PSDB poderá perder o governo de São Paulo em 2014 e se tornar nanico. Não consegue nem fazer oposição ideológica ao PT (por vezes cai no ridículo de querer ser ainda mais socialista, como sublinhou José Serra várias vezes) e nem política: é nada, massa amorfa, insubsistente. Os demais partidos são sublegendas socialistas ao abrigo do PT.
O PMDB consegue ser, ao mesmo tempo, sócio grande no condomínio de poder no plano federal e oposição eficaz, quando a ocasião se apresenta. Um grande paradoxo. É a única força que, de fato, tem segurado os arreganhos totalitários do PT. Bem vimos no impedimento do terceiro mandato de Lula. É por isso que prefiro Henrique Alves e Renan Calheiros no comando do Congresso. A alternativa é a hegemonia dos membros do PT.
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