Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Da espera dos exilados cubanos para voltar a ver seus familiares

Agora que Castro II, vá lá, que piedoso ele, ao que parece começou a entregar passaportes e “missões e viagens” a alguns cubanos, e entre eles alguns membros da “dissidência” ou bichidisidencia [1], seria bom lembrar o quanto uma boa quantidade de cubanos tivemos que esperar para poder voltar a ver nossos familiares que ficaram como reféns em Cuba. Sobretudo depois que o regime entregou ontem o passaporte a Yoani Sánchez e o negou ao ex-preso político Ángel Moya e à sua esposa, a Dama de Branco Berta Soler.
É fácil de adivinhar porquê isto ocorreu. Yoani Sánchez, convertida em famosa blogueira da noite para o dia, destacada entre as 100 personalidades da revista Time em um piscar de olhos, é branca, seu marido é mestiço, embora puxando para o branco, não são negros como Berta Soler e Ángel Moya. Yoani Sánchez está abertamente contra o embargo norte-americano, compartilha essa posição com o regime castrista. Suas críticas quase sempre denotam uma certa condescendência a favor do regime. Sua viagem ao exterior poderia convertê-la - se já não é - em uma embaixadora da tirania em vez de sê-lo do que ela declara representar: diva da oposição.
Ademais, Yoani sempre advogou pela liberdade de internet, e não pela liberdade de Cuba, sem os Castro. Pois é estranho que agora decida sair, precisamente agora que Cuba já tem cabo de fibra óptica (embora ela desfrute de internet direto desde há muito tempo, que não continue nos tomando por idiotas). Pois agora - reitero - pretende iniciar um périplo pelo mundo, recolhendo prêmios e dando conferências. Não serei eu a que se oponha a isso, e se o fizesse minha oposição não serviria para nada. Creio que todo o mundo tem o direito a viajar, não somente ela, que como seu marido já viajaram ao estrangeiro, e não só uns quantos. Porém, antes de mais nada creio que os cubanos têm direito a libertar-se das cadeias castristas. Isso é o mais importante. Mais que viajar, o mais importante é que os cubanos não tenha que abandonar a ilha - tal como ela manifestava há alguns dias com o discursinho de “quem regará mata-os”, “quem tirará o cão a mijar”, etc.
Ontem a senhora Sánchez twittava que fazia seis meses que não via sua irmã, residente em Miami, que por fim a veria!, em um desses arrancos de melodramatismo que a ela lhe entram sem tom nem som.

Bem, me vejo obrigada a lembrar que muitos, uma infinidade de cubanos exilados e seus familiares reféns em Cuba, padeceram separações eternas às vezes, e outras de mais de trinta anos, ou de décadas, sem poder voltar a se abraçar.

Eu mesma estive 11 anos sem poder ver meu pai e meus irmãos, exilados nos Estados Unidos. Quando me fui de Cuba, minha mãe foi retida na Villa Marista, fizeram-lhe um interrogatório que durou quatro horas. Nesse interrogatório o oficial lhe assegurou que não a deixaria sair nunca, que jamais veria sua filha nem sua neta. Foram seis anos de intensa luta, inclusive pagando, para poder tirar minha mãe de Cuba. Quando por fim ela chegou ao exílio já padecia de um câncer mortal. Durou dois anos.
Uma amiga próxima, cujo irmão passou oito anos em uma prisão cubana pelo mero fato de querer escapar em uma balsa. Seus irmãos puderam sair de Cuba muito tempo depois. Ela chegou à França com pouco mais de vinte anos. Nunca mais pôde regressar a Cuba para ver sua mãe, que morreu doente de câncer na ilha. A embaixada castrista em Paris não lhe permitiu voltar para se despedir de sua mãe agonizante. Pouco tempo depois faleceu seu pai.
A jornalista Tania Quintero há 9 anos que não vê seu filho, nem conhece sua neta que nasceu em Cuba pouco antes que ela se fosse e que dentro em pouco completará dez anos.
Charlie Bravo não pôde ver sua filha, a qual não deixavam sair de Cuba, durante oito anos.
Paquito D’Rivera, o grande músico cubano, tampouco viu seu filho durante oito anos, ao qual de nenhuma forma lhe davam a permissão de saída. Somente com a intenção de castigar seu pai, e ao filho e sua mãe, certamente.
A filha do preso político e ativista, Frida Masdeu, assim como sua mãe e sua avó, não viram seu pai durante longos anos. Seu tio-avô Lauro Blanco, passou 19 anos preso sem ver a filha nem seus irmãos; outro tio-avô, Odón Blanco, esteve 9 anos sem ver sua filha nem tampouco seus irmãos.
O irmão da pintora Gina Pellón esteve 19 anos na prisão. Gina Pellón saiu de Cuba no ano de 1961, passaram-se décadas para voltar a ver seu irmão. O preso político que na história do presídio político mundial esteve mais anos no cárcere - mais que Nelson Mandela -, Mario Chanes de Armas, que esteve 31 anos em uma cela castrista, como Preso Plantado [2], jamais conheceu seu filho que nasceu quando ele estava no cárcere, e morreu ainda estando no cárcere.
Eusebio Peñalver, um dos maiores e mais dignos do presídio político, também Preso Plantado, não o deixaram se despedir de sua irmã quando o desterraram e só voltou a vê-la no exílio, muitos anos depois.
E do mesmo modo que eles muitos cubanos agüentaram dignamente durante anos. Além disso, a maioria das vezes amordaçados para não prejudicar seus familiares reféns em Cuba que padeciam dia-a-dia os abusos e torturas reais, não teatrais, do castrismo.
De modo que me parece indecente que a senhora Sánchez twitteie com esse tom dramático que a caracteriza, pondo-se ela mesma, como costuma fazê-lo, no centro da notícia (coisa que por ética jornalística um jornalista que se respeite jamais faz), de que há seis meses não vê uma irmã. O que sem dúvida alguma se poderia tendenciosamente interpretar como que o fato de voltar a ver essa irmã em tão breve tempo, enquanto outros tiveram que esperar anos e terão que continuar esperando, e o sucesso de que ela possa viajar enquanto outros não podem fazer, nem poderão fazer em um futuro imediato, constitui uma mudança favorável, positiva, dentro do mandato de um dos maiores criminosos que tiveram Cuba e o mundo: Raúl Castro.
Assim que, por favor, um pouco mais de contenção, um pouco mais de vergonha e de decência, e menos frivolidades twitteiras, que já estamos fartos de frivolidades, tanto de uma parte como de outra, os quais vêm sendo finalmente, o mesmo: uma maneira descarada de apoiar e legitimar o castrismo do oitentaquatrão Castro II.

Notas da tradutora: 

[1] “Bichidisidencia” é uma palavra intraduzível, pois “bichi” significa “que não conseguiu sua plenitude ou chegou a termo”, que adequa-se perfeitamente bem ao caso cubano, principalmente no que se refere aos tantos pseudo-dissidentes.
[2] “Preso Plantado” é aquele que não se dobra ao regime, mesmo que isso o leve a torturas brutais e meses em uma solitária conhecida como “celda tapiada”, que é uma cela sem ventilação e que de tão minúscula o preso só consegue manter-se agachado, pois não dá para deitar-se ou ficar em pé. Os Presos Plantados são verdadeiros heróis e, não raro, mártires.


Tradução: Graça Salgueiro

0 comments:

Postar um comentário

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More