por José Nêumanne
O ano começou com uma expectativa generalizada de que teria início nele
algo que um romancista inspirado chamaria de “o verão de nossas
esperanças”. Antes de setembro chegar, trazendo a primavera, ninguém
precisará ser muito pessimista para lembrar, neste “inverno de nossas
desilusões”, que agosto é, de fato, um mês de muito desgosto e que o
verão de 2019 em nada corresponderá aos sonhos de renovação de oito
meses atrás. Por quê?
Em 2005 teve início no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento da
Ação Penal 470, que ficou popular com o apelido de mensalão e
radiografou a podridão das vísceras do primeiro governo soit-disant
socialista da História, sob a égide do ex-sindicalista Luiz Inácio Lula
da Silva. Nos debates do plenário da Corte, acompanhados com interesse
antes só despertado pelos festivais da canção e pela Copa do Mundo, foi
revelado ao povo um esquema de compra de apoio parlamentar com o erário
sendo tratado como quirera.
Os “supremos” magistrados condenaram à prisão políticos de alto coturno,
que trataram os partidos que dirigiam como se fossem organizações
criminosas: José Dirceu e José Genoino, que tinham presidido o Partido
dos Trabalhadores (PT), Roberto Jefferson, suserano do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB), Valdemar Costa Neto, rei do Partido
Liberal (PL), que viraria Partido da República (PR), Pedro Corrêa,
dirigente do Partido Progressista (PP), e outros.
Reza o folclore político que, instado a participar de um movimento para
depor o então presidente Lula, o ex-chefão do Partido da Frente Liberal
(PFL), hoje o Democratas (DEM), Antônio Carlos Magalhães, disse que
preferia derrotá-lo nas urnas. Como a História, implacável, registra,
Lula bateu o tucano Geraldo Alckmin na eleição de 2006. Os chefões das
quadrilhas partidárias seriam, depois, indultados pela companheira Dilma
Rousseff, que Lula elegeria sua sucessora, e, afinal, perdoados pelos
companheiros nomeados para o fiel e desleal STF.
Mas, ah, ora, direis, ouvindo estrelas, o povo foi às ruas para reclamar
daquilo que, antes de comandar a rapina nos cofres públicos, o PT
chamava de “tudo o que está aí”. A rebelião das ruas, que apoiou o
combate à corrupção por uma geração de jovens policiais, procuradores e
juízes federais, porém, passou ao largo de alguma mudança de fato no
Brasil que Machado de Assis chamava de “oficial”, em contraponto ao
nobre, pobre e probo “País real”. No ano seguinte às espetaculares
manifestações de rua em nossas cidades, 2014, Dilma foi reeleita com
Temer e o PMDB na chapa em campanha de que, como depois revelaria outra
devassa, nem os vencidos sairiam inocentes. Tudo como dantes no cartel
de Abrantes.
Para cúmulo da ironia, levado a julgamento no Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), o triunfo da chapa que juntou a fome com a vontade de
comer passou a ser dado como absolvida “por excesso de provas”. Mas a
decisão, tomada numa sessão presidida pelo ministro do STF Gilmar
Mendes, manteve Temer na Presidência, depois do impeachment da titular
da chapa vencedora. E Dilma sem cargo, mas liberada para ocupar posto
público por uma canetada praticada pelas mãos esquerdas do senador
peemedebista Renan Calheiros e do então presidente do STF, Ricardo
Lewandowski.
Isso ocorreu apesar do enorme entusiasmo popular com novo feito da
Justiça em primeira instância, a Operação Lava Jato, iniciada em 2014 e
responsável pela sequência da AP 470, levando às barras dos tribunais e
às celas os maiores empreiteiros do Brasil, Marcelo Odebrecht à frente, e
o ex-presidente Lula. Este havia saído incólume do mensalão por obra e
graça da omissão do relator, tido como implacável, Joaquim Barbosa, e a
atenta proteção do sucessor deste na presidência do STF, Lewandowski. O
que não impediu que depois fosse condenado e preso como “chefe da
quadrilha”.
No verão, esperava-se que se elegessem um presidente para limpar a
máquina pública e um Congresso para apoiá-lo na guerra à corrupção. No
inverno, 90% dos deputados e 65% dos senadores candidatos sepultam o
devaneio do “não reeleja ninguém”. Dos seis pretendentes à Presidência
com chance, nenhum se compromete com o que de fato importa: o combate a
privilégios, política econômica para pôr fim à crise e ao desemprego e o
basta à impunidade de criminosos armados ou de colarinho branco. Quem
está em primeiro lugar nas pesquisas de preferência de voto é um
condenado por corrupção e lavagem de dinheiro a 12 anos e 1 mês de
prisão.
O economista Cláudio Porto, da Macroplan, acaba de divulgar a pesquisa
Cinco cenários para o governo do Brasil 2019-2023, que conclui que
qualquer governo terá de conviver com cinco condicionantes imediatos:
renda per capita 9% abaixo da de 2014 e desemprego de 14 milhões de
pessoas; contexto externo menos favorável do que o dos últimos anos;
tensão permanente entre a população impaciente e a maioria fisiológica
dos políticos; demandas da sociedade por mais e melhores serviços
públicos, em confronto com a manutenção e a conquista de mais benesses
pelo baronato de políticos; e combate à corrupção menos intenso.
Para enfrentar esses problemas o eleitorado, segundo Porto, divide-se
pela metade, não entre esquerda e direita, mas entre a sedução do
populismo e a saída não populista. A pesquisa, feita para a Macroplan
pelo economista Flávio Tadashi entre 6 e 8 de agosto, situa em 16,1% a
adesão ao populismo de esquerda; 17,4% ao de direita e 16,5% ao “de
ocasião”. A saída não populista divide-se em 27% para a conservação do
status quo e 23% para o “reformismo modernizante”.
As chances de o Brasil continuar a não dar certo são de 77% e as
necessárias reformas e modernização para o País crescer e prosperar não
são inviáveis, mas dependem de a maioria do eleitorado ser convencido de
que a melhor saída seria essa.
JORNALISTA, POETA E ESCRITOR
O Estado de São Paulo
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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