por Alexandre Schwartsman
A história provavelmente aconteceu, embora os personagens sejam, como de
hábito, desconhecidos. De qualquer modo, um jogador de futebol, ao ser
questionado sobre o motivo pelo qual ele e seus colegas repetiam sempre
as mesmas respostas, teria parado um momento para refletir e disparado:
“Não sei; talvez porque vocês façam sempre as mesmas perguntas”.
Conto o episódio preventivamente: caso um dos 18 leitores tenha a
sensação de já ter lido esta coluna, saiba que eu também tenho a
sensação de já tê-la escrito. O chato não é escrever sempre a mesma
coisa, mas perceber como certas questões permanecem rigorosamente
imutáveis.
Refiro-me à proposta de aumento dos salários dos ministros de Supremo,
justificada por Ricardo Lewandowski pela situação de “penúria extrema”
dos aposentados do Judiciário, ecoando, não por acaso, a ex-ministra dos
Direitos Humanos Luislinda Valois,
que pretendia somar ao seu vencimento ministerial a aposentadoria como
desembargadora argumentando que, se não fosse atendida, trabalharia sob
condições análogas à escravidão por receber apenas R$ 33 mil/mês (Lewandowski ganha R$ 37,5 mil/mês).
Quando consegui controlar o choro copioso que me acometeu ao imaginar os
pobres aposentados do Judiciário (ao menos, me consolei, não estão sob
regime análogo à escravidão), endureci meu coração, como ensinado no
curso de economia, e fui atrás dos números.
Descobri, por exemplo, que, em 2015, de um total de 162 milhões de
pessoas de 15 anos ou mais de idade, apenas 708 mil (0,4% do total)
recebiam valores superiores a 20 salários mínimos por mês.
Como, a preços de hoje, o salário mínimo de 2015 equivaleria a R$
918/mês, falamos de um universo de pessoas cujo rendimento ultrapassaria
hoje R$ 18 mil/mês (os aposentados do Judiciário recebem, em média, R$ 18 mil/mês).
Já a faixa média de renda do 0,4% atingia R$ 28,5 mil/mês também a
preços de hoje, ou seja, mesmo dentro desse seleto clube os salários dos
ministros do Supremo superam em cerca de 18% (31%, no caso de
Lewandowski) o rendimento médio do grupo (e isso sem contar os eventuais
“penduricalhos” associados à função).
Esse número, porém, considera apenas o aumento dos ministros do Supremo.
Incluindo os efeitos cascata por causa da elevação do teto salarial do
setor público, de aumentos similares não só do Judiciário mas também do
Ministério Público, bem como de estados e municípios, há quem estime que
a conta do “modestíssimo reajuste de 16%” seja da ordem de R$ 4 bilhões/ano, ou seja, cerca de quatro Lava Jatos por ano.
É bem verdade que o montante empalidece diante do gasto dos três níveis
de governo no ano passado, R$ 3,1 trilhões, mas equivale ao orçamento
anual da Capes (Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que na semana passada
motivou (de forma equivocada, diga-se de passagem) protestos contra o
teto de gastos.
Diante das mesmas questões, as conclusões são as mesmas:
a) o Estado brasileiro foi capturado por grupos de interesse, que canalizam para si fração considerável da renda da sociedade, no caso o funcionalismo, que se apropria de pouco menos de metade do gasto dos três níveis de governo, ou seja, cerca de 22% do PIB; e
a) o Estado brasileiro foi capturado por grupos de interesse, que canalizam para si fração considerável da renda da sociedade, no caso o funcionalismo, que se apropria de pouco menos de metade do gasto dos três níveis de governo, ou seja, cerca de 22% do PIB; e
b) o problema não é o teto de gastos, mas a existência de privilégios na escala exposta acima.
Se não mudarmos esse estado de coisas, uma séria crise fiscal será apenas questão de tempo.
Folha de São Paulo
extraídaderota2014blogspot
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