por Ascânio Seleme
Corrupto condenado, Dirceu está livre por decisão do ministro Toffoli e pode percorrer o país em noites de autógrafo e passar o Natal em família
Na terça-feira, recebi convite da Força Sindical para o lançamento da
revista “1968 e os trabalhadores”, um documento produzido pelo Centro de
Memória Sindical para iluminar o papel dos trabalhadores naquele ano de
grandes transformações políticas e culturais em todo o mundo. O
conteúdo da revista não será discutido aqui, embora possa até ser um bom
registro histórico, já que se conhece muito mais o papel de estudantes e
intelectuais em 68 do que o dos trabalhadores. O que chama atenção é o
título da convocação da Força: “José Dirceu e Aldo Rebelo estarão
presentes no lançamento da revista”.
Dirceu e Rebelo são apresentados no release respectivamente como
ministro da Casa Civil do governo Lula e che fe da Casa Civil do governo
de São Paulo. Rebelo assumiu em agosto a função na gestão do governador
Márcio França, cujo nome não é citado no texto do e-mail. Dirceu ficou
dois anos no governo Lula, até ser demitido no escândalo do mensalão.
Isso também não é explicitado na convocatória. Tampouco é mencionado o
fato de ele ter sido em seguida cassado de seu mandato de deputado
federal e condenado pelo STF a sete anos de prisão por corrupção,
formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e peculato.
O texto da Força Sindical tampouco informa que o ex-ministro também foi
condenado a outros 30 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e
organização criminosa no âmbito da Operação Lava-Jato. E que só está
solto por força de liminar concedida pelo ministro do STF Dias Toffoli,
advogado-geral da União no mesmo governo Lula do qual Dirceu participou.
Dirceu, de acordo com o release, foi uma das fontes consultadas para a
produção da revista sobre os trabalhadores porque “em 68 era uma grande
liderança estudantil”.
O fato é que um homem condenado no total a quase 40 anos de prisão em
dois casos muito graves de corrupção é um dos homenageados de uma
central sindical que colocou o seu nome como chamariz da peça
publicitária que convoca para o lançamento do documento histórico
produzido por intelectuais afiliados ou simpatizantes. Em plena
atividade política e social, o mesmo José Dirceu deu uma entrevista no
começo da semana para o jornalista Eumano Silva, do portal Metrópoles,
onde afirma que “o mensalão foi uma farsa, não existiu”.
Na entrevista em que fala sobre seu livro de memórias recém-lançado,
Dirceu diz que o escreveu para sua filha de 8 anos e para as novas
gerações. Ele afirma que fez um balanço de suas muitas vidas (de fato,
esta característica dele é inquestionável) e que este primeiro volume
conta sua história até 2006, ano em que foi denunciado no primeiro
escândalo. Ele diz ainda que já tem material reunido para fazer o volume
dois. Mas que só vai escrever no ano que vem, porque de agora até
novembro percorrerá o Brasil em seções de lançamento do livro. “Depois
tem o fim de ano, a família”. Quer dizer, Dirceu está certo de que,
apesar de condenado a dezenas de anos de cadeia, seguirá sua vida
normalmente.
Essa é a beleza da democracia brasileira. Enquanto um homem condenado
por não importa qual crime estiver livre por força de mandado judicial,
livre estará e nada se pode fazer contra isso. Pode-se tentar
encarcerá-lo outra vez através dos mecanismos legais, dos foros
apropriados. Fora disso, não, nada. Dirceu está livre por decisão do
ministro Toffoli e pode percorrer o país em noites de autógrafo,
participar de evento da Força Sindical e passar o Natal em família.
Ponto.
Da mesma forma que Lula, preso por corrupção e lavagem de dinheiro em
primeira e segunda instância, nesta por órgão colegiado, não pode ser
candidato a presidente ou a qualquer outro cargo eletivo por força da
Lei da Ficha Limpa. Mas aí, os mesmos que chamam Dirceu de guerreiro do
povo brasileiro vão às ruas e fazem comícios defendendo que se
desrespeite a lei e a Justiça, solte-se Lula e permita-se que ele seja o
candidato do PT em outubro.
E essa é outra característica da beleza da democracia. A liberdade de
expressão e de manifestação permite que qualquer um brade contra o juiz
da Lava-Jato, contra os desembargadores do TRF-4, e contra os ministros
do STJ e do STF. Mesmo que seja em vão.
O Globo
extraídaderota2014blogspot
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