por Roberto Pompeu de Toledo
Aurora ou apocalipse? A luz que nos redime ou a treva que nos empurra
entre uma Venezuela ampliada e um Pinochet recauchutado? O humor
nacional, até onde é lícito identificá-lo, aguarda a eleição distribuído
entre os polos da esperança e do catastrofismo e, no meio, uma maioria
afundada entre a indiferença e o desalento. A seguir, em verbetes, o
estado das coisas.
Lula (1) —
Fez do quartinho de 15 metros quadrados, no 4º andar da
Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, o mais eficiente dos
QGs de campanha eleitoral. Pergunta-se se teria os 39% (Datafolha) ou os
37% (Ibope) das intenções de voto se não tivesse sido preso. A prisão
lhe ofereceu a oportunidade de converter-se no mais bem-sucedido
candidato invisível e inaudível do planeta.
Alckmin —
O mais convencional dos candidatos aparatou-se com o mais convencional
dos meios de comunicação. Se Lula é milionário de votos, ele é
milionário de tempo de televisão. Pobre da televisão. Terá de provar
que, em tempos de mídias sociais, ainda conserva o poder de fogo.
Governabilidade —
Palavra em que se distinguem dois sentidos, não necessariamente
compatíveis. Sentido 1: capacidade de o governante fazer valer perante o
Congresso seu programa de ação. Sentido 2: capacidade de se segurar no
cargo. Em parte das vezes, o candidato finge invocar o primeiro sentido
mas tem a cabeça no segundo.
Jair se acostumando —
Certo, mas antes é preciso consultar o Posto Ipiranga. No Posto
Ipiranga, tal qual é referido pelo candidato, imagina-se que
economistas, sociólogos e juristas, abancados entre as bombas de
gasolina, atendem a consultas. No compartimento de troca de óleo, ao pé
do elevador que sobe e desce os veículos, dedicam-se a traçar os
melhores rumos para o país. E na loja de conveniência, em prateleiras
junto ao freezer de vender gelo, arquivam lúcidas análises, teses e
planos de governo. O serviço de lava a jato, nos fundos, é local em que
não apreciam pôr o pé.
Cabo Daciolo — Com a Bíblia na
mão e as ordens do Todo-Poderoso nos lábios, é Antônio Conselheiro em
versão eleitoral. Euclides da Cunha chamou o Conselheiro de “Messias de
feira” e “bufão arrebatado numa visão do Apocalipse”. O Conselheiro
redivivo faz bem a Bolsonaro. A comparação torna-o respeitável.
Henrique Meirelles —
Faz bem a Alckmin. O antigo sorvete de chuchu transforma-se, a seu
lado, em uma personalidade fascinante, dona de discurso arrebatador.
Poste —
Jamais houve um como o que o feiticeiro do quartinho de 15 metros
quadrados prepara para esta vez. Os anteriores eram seus indicados. Este
terá de ser ele próprio. Uma delicada operação de transmutação de
personalidade estará em curso. Lembre-se, Fernando Haddad: você não é
Fernando Haddad.
Ciro Gomes —
O primeiro Ciro, imperador da Pérsia (590 a.C.-529 a.C.), é chamado de
Ciro, o Grande. O nosso (e essa é a sua desgraça) é Ciro, o Médio. Não é
pequeno, mas também não é grande. No futebol, times grandes são os que
disputam a liderança nos campeonatos, pequenos os que lutam para escapar
ao rebaixamento, e os demais os condenados a ficar pelo meio da tabela.
Essa é a sorte que, ao longo das corridas presidenciais, tem cabido a
Ciro, o Médio.
Kátia Abreu —
Ao aparecer com o rosto mais afinado e jovem, na foto ao lado do cabeça
de chapa, a vice de Ciro Gomes deixou uma questão no ar: Photoshop é
fake news?
Marina Silva — FHC disse que lhe falta “um pouco de malignidade”. E não é que tem razão?
Lula (2) —
Tudo indica que o primeiro colocado nas pesquisas será impedido de
concorrer. É um imperativo da Justiça, ele foi condenado, a lei deve ser
para todos etc. mas, independentemente de tudo isso, não deixa de ser
constrangedor. Ou, se não constrangedor, embaraçoso. A questão Lula deu
um nó nesta eleição. A muitos, aqui e no exterior, sem ele soará
ilegítima. E o pior é que com ele, dado o passivo que acumulou, a outros
tantos também soaria.
Veja
extraídaderota2014blogspot
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