por Miriam Leitão
Um político muito popular, que está na frente nas pesquisas, é preso em
ano eleitoral, em uma conspiração da direita para que ele não volte ao
poder. Para quem vê a cena de longe, parece mesmo ser essa a realidade
brasileira, descrita pelo ex-presidente Lula ontem ao “New York Times”. O
problema são os detalhes que ele esqueceu deliberadamente. Dois grandes
escândalos de corrupção ocorreram em seus mandatos e nos de sua
sucessora. Políticos da sua base e da oposição também têm sido
investigados, julgados e condenados. As decisões do juiz que o condenou
foram confirmadas em todas as instâncias superiores.
Lula diz que “forças de direita tomaram o poder no Brasil”. Deixou de
dizer contudo que governou com essas mesmas forças e que o atual
mandatário foi vice-presidente da chapa na qual sua sucessora ganhou
duas vezes as eleições.
O artigo de Lula publicado pelo jornal americano começa dizendo que há
16 anos o Brasil estava em crise, com seus sonhos em perigo, e o PT
trouxe a esperança. Há 16 anos o Brasil tinha, na verdade, vencido a
mais difícil das mazelas econômicas, a hiperinflação, tinha feito uma
série de reformas e implantado uma política econômica que estabilizou a
economia. A volatilidade do dólar na época foi causada pelo temor de que
Lula implantasse o programa que o partido sempre defendera. Foi o
compromisso, cumprido no primeiro mandato, de seguir com a mesma
política econômica do governo anterior, que permitiu superar a onda de
desconfiança e colher os frutos dos avanços conquistados no governo
anterior.
Seu governo trouxe de fato prosperidade e algumas de suas políticas
foram fundamentais para reduzir a pobreza e a extrema pobreza no Brasil.
Mas parte desse legado foi destruído pela administração desastrosa da
economia, iniciada em seu segundo mandato e mantida nos governos da sua
sucessora, que deixou o Planalto com o país em recessão, escalada de
desemprego e ruína fiscal.
Lula defende a tese de que o país vive um “golpe de Estado em câmera
lenta”, no qual a sua prisão é a última fase. Diz que sua condenação se
baseia apenas no depoimento de uma testemunha que recebeu redução da
pena pelo que disse sobre ele. Foram vários os que falaram das vantagens
oferecidas e aceitas por ele, pelo partido e por sua base. A lista é
longa, mas nela estão empreiteiros que privavam da intimidade do
ex-presidente como Léo Pinheiro, Marcelo e Emílio Odebrecht.
Segundo Lula, o juiz Sérgio Moro se tornou um intocável graças à
blindagem da imprensa de direita. Esqueceu de dizer que as decisões de
Moro foram confirmadas por um tribunal de segunda instância e têm sido
mantidas em todos os recursos à terceira instância e à Suprema Corte. E
que no Supremo a maioria dos ministros foi indicada em governos do PT, e
inclusive um deles foi advogado do partido.
Essa divisão do mundo entre esquerda que quer combater as desigualdades e
direita que conspira contra o progresso social, e por isso está dando
um golpe, é uma simplificação que convence estrangeiros. Confirma o
estereótipo que se tem das repúblicas latino-americanas. Mas a verdade é
um pouco mais complexa. Nos governos de Lula e Dilma subiu de 3% para
4,5% do PIB as transferências de recursos públicos para os grupos
empresariais. O BNDES escolheu setores e empresas nos quais despejou
dinheiro subsidiado. O custo dos repasses para os ricos foi 10 vezes
maior do que o Bolsa Família.
Lula e Dilma governaram com a maioria das forças que estão no poder
agora. O atual presidente também está sendo investigado pela mesma
Polícia Federal que conduziu Lula à prisão. No primeiro escândalo, o
mensalão, pessoas fortes no seu governo foram presas. No segundo, a
Lava-Jato descobriu um vasto esquema, montado em seu mandato, de saque à
maior empresa estatal do país, e parte do dinheiro desviado por antigos
dirigentes da empresa, escolhidos por Lula e Dilma, está sendo
devolvido à Petrobras.
Há muito que não foi dito no artigo, inclusive alguns detalhes que
favoreceriam, em outras circunstâncias, a administração de Lula, como a
de que a Lei da Ficha Limpa, que torna inelegíveis condenados em segunda
instância, foi defendida pelo seu partido e em seu governo foi
promulgada. Para seu próprio futuro, o PT precisa encarar a realidade da
corrupção que houve em seus governos. Tem sido mais fácil contar a
ficção conveniente.
O Globo
extraídaderota2014blogspot
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