editorial do Estadão
Previsto para ser o guardião da Constituição Federal e o cume hierárquico do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) deixou de ser uma casa onde se pratica o Direito, para se transformar numa casa de jogos, onde o que importa é ganhar e não interpretar e aplicar corretamente as leis. Sem o mínimo pudor, juízes da Suprema Corte operam os mais variados estratagemas para conseguir que as causas sob sua competência tenham o resultado que almejam.
Que fique bem claro o que se tem visto no STF: não são as partes, compreensivelmente interessadas num determinado desfecho do caso, que estão jogando. São os próprios ministros, cujo cargo exige isenção e imparcialidade, os jogadores desse intrincado tabuleiro.
A cada semana há um novo lance e já não se sabe com segurança o que pode e o que não pode ser feito no Supremo. Os processos caminham num clima de forte insegurança jurídica. Três ministros convertem uma reclamação em habeas corpus de ofício e concedem liberdade ao sr. José Dirceu, em clara oposição à jurisprudência do plenário. Passo seguinte, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, despacha um recurso da defesa do sr. Lula da Silva para o plenário da Corte, mas a defesa desejava que o caso fosse resolvido na Segunda Turma.
O assunto tem enorme relevância, uma vez que não cabe às partes, e tampouco a um juiz, escolher arbitrariamente qual é a instância judicial competente para o feito. É imperioso respeitar, sem exceções, o princípio do juiz natural e aplicar o procedimento legal previsto. No entanto, o atual Supremo não parece muito afeito a essas questões jurídicas, por mais relevantes que elas sejam num Estado de Direito. O rigor técnico tem cada vez menos importância. O que importa é a perspicácia de antever os movimentos dos outros ministros e assegurar um jeito para que sua posição prevaleça. É assim que se pratica a tavolagem na Suprema Corte.
Outra jogada habitual no STF - indecentemente habitual - são as decisões liminares que, num passe de mágica, se tornam definitivas. A tática é melhor ainda quando empregada às vésperas do recesso do STF. Assim, uma decisão monocrática, de natureza temporária e sujeita à revisão do colegiado, ganha ares de coisa julgada por um longo período. Trata-se de uma perversa inversão, em que o STF, órgão máximo de defesa da democracia e da Constituição, assume uma natureza escandalosamente autoritária. A voz provisória de um único ministro torna-se mandamento irrevogável para todo o País.
Na quarta-feira passada, por exemplo, faltando três dias para começar o recesso do STF, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu, por medida cautelar, retirar a Companhia Energética do Estado de Alagoas (Ceal) do leilão de privatização de distribuidoras da Eletrobrás. Qualquer revisão da decisão pelo colegiado só será possível no mês de agosto. Como a data prevista para o leilão é o dia 26 de julho, a partida - ou seja, o leilão da distribuidora - só voltará a ser jogada quando os deuses da sorte decidirem. E o povo que pague o prejuízo da distribuidora.
Outra famosa decisão liminar, provisória, mas que tem um custo definitivo para o País, é a concessão de auxílio-moradia a todos os juízes e procuradores. Ainda que seja revertida a decisão pelo plenário do STF, é impossível que retorne aos cofres públicos todo o montante que vem sendo pago a cada mês, desde o segundo semestre de 2014, a título de auxílio-moradia por força da decisão do ministro Luiz Fux.
Recentemente, o ministro Gilmar Mendes externou sua avaliação sobre o atual Supremo Tribunal Federal. “Acho que estamos caminhando bem, o Supremo voltando a ser Supremo”, disse o otimista ministro. Isso seria ótimo, se fosse correto. O Supremo tem-se tornado cada vez menor, com sua miríade de decisões que exalam protagonismo, posturas ideológicas e o que mais seja. Assim, fica muito difícil que o Supremo tenha autoridade e, principalmente, que cumpra o seu papel constitucional de baliza do bom Direito. Já não se vislumbra um único colegiado, mas tão apenas a performance individual de seus integrantes e, agora, já também o comportamento de suas turmas e de seu plenário. Onde há esse tipo de divisão não há uma Suprema Corte - há um fuzuê.
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