por José Nêumanne O Estado de São Paulo
A semana passada terminou e esta começou com, mais uma vez, o eixo da
Terra girando em torno do umbigo de Lula. Ao menos cá entre nós
Nos últimos dias úteis da semana passada, por requerimento da senadora
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), a Comissão de Direitos Humanos do Senado
resolveu inspecionar as condições de habitabilidade da “sala de
estado-maior” na qual vive, privado de liberdade, o ex-presidente. Os
senadores que farão a inspeção serão os seguintes, além da autora da
proposta: a presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, Gleisi
Hoffmann (PT-PR), Ângela Portela (PDT-RR), Fatima Bezerra (PT-RN),
Telmário Mota (PDT-RR), Paulo Paim (PT-RS), Lindbergh Farias (PT-RJ),
Jorge Viana (PT-AC) e Paulo Rocha (PT-PA).Todos do PT de Lula e do PDT
do caudilho Brizola. E ainda que o PT seja um partido grande, a oposição
como um todo não consegue ganhar uma votação no Senado e na Câmara.
Como foi, então, possível compor uma comissão tão comprometida
ideologicamente com a hipótese absurda de que o condenado em duas
instâncias e com habeas corpus negado por unanimidade por uma turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e por maioria do plenário do Supremo
Tribunal Federal (STF) tenha sido preso numa situação arbitrária, por
decisões meramente políticas, para impedir que ele participe da disputa
presidencial de outubro deste ano? É que à votação não compareceu um
único senador governista. Foi “gópi”, como diria a professora Bezerra?
Nããããããão! Nananinanão! Os governistas não foram porque faltaram e
faltaram porque quiseram. Certo? Certo!
Será que algum dos ilustres varões e nobres damas da casa do mandato
dobrado têm alguma noção do inferno que é a vida de um preso comum “sem
parentes importantes” e nem sempre vindos do interior? Essa ignorância
crassa é improvável, pois os meios de comunicação, “aliados da zelite”
que mantém Lula preso “para evitar que os pobres possam cursar
universidades e viajar de avião” (não é isso que dizem os visitantes?),
nunca o omitiram. Um dos mais estrelados burocratas da esquerda em seu
segundo reinado, o de Dilma Rousseff, o douto professor José Eduardo
Martins Cardozo, não disse que preferia morrer a ser internado num
presídio qualquer, mesmo que fosse na Papuda, construído especialmente
para abrigar os luxentos parceiros de Sua Excelência, então ministro da
Justiça? Pois então, saber os senadores de esquerda sabem, mas não estão
nem aí para os pobretões empilhados em celas infectas sem direito
sequer a serem soltos quando acabam de cumprir sua pena. Afinal, este é o
país da desigualdade crônica e nele os gatunos ricaços que podem pagar
causídicos em Brasília têm quem lute por seu direito ao “trânsito em
julgado”, enquanto os “pobres, pretos e prostitutas” não têm direito
sequer a um alvará de soltura dos sempre solícitos ministros garantistas
da Suprema Tolerância Federal (STF).
Esta semana, que ora se inicia, saltou da cama informada de que Lula
perdeu seis pontos percentuais em relação aos 37% de intenções de votos
na pesquisa Datafolha de janeiro: agora, depois da prisão, está com 31%.
Quem esperava que a prisão o tornasse mais querido deu com os burros
n’água. Mas também quem contava como certo que a prisão seria fatal para
sua popularidade não se deu bem. O índice obtido por um presidiário é
espetacular, mas não animaria uma pessoa realista quanto a suas
possiblidades de vitória na disputa presidencial. Mais importante,
porém, é o fato de que mais da metade (54%) dos entrevistados acha justa
sua prisão e que quase a metade (46%) ficou sem pai nem mãe em matéria
de nome para clicar na urna eletrônica em outubro (e talvez novembro).
Ou seja, o presidiário mais popular do País tornou mais evidente do que
sempre foi a orfandade de um eleitorado ao qual não se apresentam
candidatos razoáveis em quem votar. A retirada de Lula do cartão de
pretendentes não faz nenhum outro candidato crescer. E o que mais
impressiona: quando não são indicados nomes, 46% não citam ninguém.
Outro dado relevante da realidade eleitoral brasileira é a insignificância da Justiça Eleitoral. Segundo a manchete do Estado de
domingo, “sem regras, pré-campanha se transforma em vale-tudo”. Calma,
ainda não é a campanha, é pré. Assim como não há presidenciáveis, mas
apenas e tão somente pré (de pretensos ou de pretensiosos?). Por
exemplo, Guilherme Boulos, líder inconteste e insubstituível do
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Sua Excelência se vale da
mesma bagunça de território sem lei, garantida pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). Enquanto apenas são pretensos, os ainda não candidatos
se valem do fato de que a Justiça Eleitoral só aceita que a campanha
comece quando de fato a lei autorizar que comece, numa inversão do que o
Velho Guerreiro, Abelardo Chacrinha Barbosa, definia como o começo e o
fim de seu programa de palhaçadas. Refiro-me à palhaçada profissional,
aquela cheia de graça e da qual os brasileiros tanto gostam. Pois,
então, na pré-campanha vale fazer caravana, como o presidiário mais
popular do Brasil, Lula do PT, já fez. Vale também meter a mão na orelha
de repórter abelhudo, como Ciro Gomes meteu. E vale violar a lei que
proíbe racismo e qualquer outro tipo de discriminação, como
habitualmente perpetra Jair Bolsonaro, o único fascista assumido de uma
plêiade de fascistoides.
Lula ameaçou pôr nas ruas o “exército do Stédile”, do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST), todos armados de pneus fumegantes para
impedir sua prisão. Deu em nada. Mas para não ficar na lenga-lenga, o
coleguinha pretenso presidenciável Guilherme Boulos invadiu com sua
tropa de falsos famintos o triplex na Praia de Astúrias, destino à
beira-mar de pobres como o preso (apud Eduardo
Paes, velho aliado da tribo do Leblon). Danem-se os moradores do
edifício Solaris, no qual se situa o triplex do condenado. Os invasores
arrombaram o portão, ou seja, patrimônio particular. Mas para provar que
João Trabalhador Doria se engana quando o chama de Márcio Cuba, em vez
de França, e mesmo sendo do Partido Socialista Brasileiro, é também
governador e candidato a governador de São Paulo, mandou a PM expulsar
os invasores para proteger moradores e o tríplex que Moro arrestou. Pois
seria estúpido, até louco, deixar prosperar essa molecagem que Lula
mandou Boulos fazer.
E, para ninguém dizer que o mundo girando em torno do umbigo do padim de
Caetés não será lembrado neste texto herético, após ter registrado a
preocupação dos senadores com o conforto do chefão e a sanha dos
invasores de apartamentos alheios, vou direto agora ao noticiário
internacional. Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, solidarizou-se com
Lula. Adolfo Pérez Esquivel, o único argentino que já torceu por um
brasileiro na História, quer o Prêmio Nobel da Paz para o companheiro
que só fala em guerra. E Dilma Rousseff, tatibitate em qualquer idioma,
percorre o exterior para contar que “carregaran Lula en los ombros”, num portunhol de chanchada.
Jornais internacionais importantes elogiaram Moro e a Lava Jato e
consideraram a prisão de Lula um avanço na democracia brasileira. O New York Times, liberal, escreveu que a Lava Jato foi um “duro golpe contra a corrupção no maior país da América do Sul”. E, para o Monde, de tendência socialista, a prisão de Lula mostra que este “não é um ato político” e Lula “não está acima da lei”.
Em artigo publicado no Estado, Lula atrás das grades,
o Prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa escreveu que “é bom,
para a América Latina, que pessoas como Marcelo Odebrecht ou Lula da
Silva tenham sido presos depois de terem sido processados, concedendo a
eles todos os direitos de defesa que existem num país democrático. É
muito importante mostrar em termos práticos que a Justiça é a mesma para
todos, os pobres diabos que são a imensa maioria e os poderosos que
estão no topo graças ao seu dinheiro ou suas posições.”
De tudo isso o mais importante a registrar é que o mundo não acabou com o
recolhimento do ex-presidente mais popular do Brasil a uma prisão, o
primeiro condenado por crimes comuns na História. O resto, como se dizia
na Campina Grande de minha adolescência e se diz até hoje por lá, “o
resto é palha”. Ou melhor, “paia”.
- Jornalista, poeta e escritor
extraídaderota2014blogspot
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