ANDRÉ LAHÓZ MENDONÇA DE BARROS REVISTA VEJA
Por que um dia decidimos dar um basta é matéria para a psicologia, não para uma coluna de economia. As estimativas situam entre 4 000 e 17 000 o número de fuzilamentos pelo regime de Fidel. Em comparação com o tamanho da população, é a ditadura mais sanguinária de um continente pródigo em ditaduras. Só Saramago poderia explicar por que aquelas três mortes lhe pareceram insuportáveis. Aliás, nem tanto assim: logo depois ele relativizaria a crítica, negando que tivesse retirado seu apoio à ilha.
Cuba está às vésperas de uma transição: o general Raúl Castro deve finalmente passar o bastão. Ele comanda o país oficialmente desde 2008, quando seu irmão permitiu sua ascensão. A justificativa de Fidel foi uma daquelas piadas involuntárias: após quase cinquenta anos, deixou a cena dizendo não ter apego ao poder. Cuba então se segurava com a ajuda da Venezuela de Hugo Chávez, enriquecida pelo petróleo em pleno superciclo de commodities. Chávez era, depois de Fidel, a estrela maior da esquerda latino-americana: no Brasil de Lula, era recebido como herói.
No começo deste mês, a revista esquerdista francesa Les Temps Modernes, criada por ninguém menos que Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, dois medalhões da intelectualidade do século XX, achou que era hora de romper com o chavismo. A revista nota que a promessa de transformação social foi totalmente frustrada. A parcela mais pobre da população está pagando a conta de uma economia em frangalhos. Pior: a Venezuela caminha para o autoritarismo. São quase vinte anos de revolução bolivariana a destroçar o país, sob o aplauso entusiasmado dos cientistas sociais. Mas agora isso tudo cansou.
Lula, a terceira ponta desse triângulo, acaba de viver o que para muitos foi seu último ato. Cercado pelo que resta de militância, disse que seria agora uma ideia — algo impossível de prender. O PT prega a resistência ao “golpe”. Diz ver risco de vida para o ex-presidente, um “preso político”. Ciro Gomes já chegou a sugerir o sequestro de Lula e sua entrega a uma embaixada amiga. Nesse mundo paralelo, estamos de volta à ditadura. Aqui e ali, porém, já começou o desembarque: vozes mais lúcidas parecem querer retornar à realidade. Essa disputa de narrativas será decisiva na campanha eleitoral — quanto mais tempo perdermos discutindo o “golpe”, menos tempo sobrará para falar sobre como reerguer o Brasil.
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