Carlos José Marques, IstoE
Anote a data, já pode até dar como certo: no próximo dia 10 de maio, até a meia-noite como prazo limite, a vacilante Corte da Segunda Turma do Supremo, com pendores a benevolência extrema fora dos autos, retira das grades o marginal Luiz Inácio Lula da Silva do PT – prontuário número 700004553820, recolhido por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha -, inaugurando assim a temporada do vale-tudo.
Será a decantada esculhambação geral da República, com o sepultamento da Lava-Jato, mas não tem jeito.
O trio do barulho, Toffoli, Lewandowski e Gilmar Mendes, a julgar por suas últimas piruetas hermenêuticas, vai conceder. Até a escultura de pedra da Justiça, que resguarda cegamente o Tribunal, sabe disso.
Já na manhã seguinte, uma sexta-feira, pouco mais de um mês após ser conduzido de maneira espetaculosa a cumprir pena de 12 anos, o demiurgo de Garanhuns sai livre pela porta da frente de sua “cela” em Curitiba para deleite do lulopetismo e estupor geral.
O novo destino será a prisão domiciliar, com medidas restritivas, inclusive à atividade política – se é que isso é possível no caso de Lula –, impedido de obter o registro no TSE para concorrer à sucessão presidencial. Pouca coisa diante dos delitos. Mas o show de esperneio vai continuar. O Partido insistirá na lorota do Lula candidato, apenas para constar. Acordo feito e sacramentado.
O homem que já foi condenado em dois tribunais, por quatro juízes, que teve HCs negados inclusive no Supremo, que responde como réu em seis outros laudatórios processos de bandidagem explícita, que tripudia de investigadores, procuradores e magistrados, que aponta o STF como “totalmente acovardado”, que interfere e é capaz de qualquer coisa para obstruir as investigações da polícia, irá assumir de vez a condição de símbolo máximo da impunidade.
Com o beneplácito da Segunda Turma, que não mede esforços na interpretação muito peculiar dos artigos, parágrafos, capítulos, incisos e alíneas da Lei, numa pajelança jurídica jamais vista.
Suprema humilhação constitucional. A Carta Magna é conduzida ao sabor das circunstâncias e dos nomes em julgamento. Foi dessa maneira que no impeachment de Dilma Rousseff o artigo 52 que determinava “perda do cargo, COM inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública” virou “sem inabilitação”, por mãos e obra de Lewandowski.
O instrumento da vez é o recurso dos advogados da defesa de Lula que tenta derrubar a execução da prisão alegando mais um dos embargos, dos embargos, dos embargos protelatórios.
O julgamento será virtual, realizado eletronicamente por cada um dos magistrados que vota sem a necessidade de sessão presencial.
Os doutos juízes têm a partir das 18 horas do dia 4 de maio até o derradeiro minuto da quinta-feira 10, para se pronunciar. Alguma dúvida do veredicto?
Eles são majoritariamente contra a prisão em segunda instância e estão fazendo de tudo para converter em letra morta a decisão colegiada já tomada em plenária do STF. Desassossego institucional que cada um deles causa sem pudores.
Dias atrás a mesma Segunda Turma surpreendeu o mundo jurídico tirando das mãos de Sergio Moro trechos da delação da Odebrecht que trata do sítio em Atibaia e de um terreno para o Instituto Lula, alegando que os desvios nada tinham a ver com as maracutaias praticadas na Petrobras.
Foi golpe inacreditável na verdade factual. Só alguém completamente desinformado sobre as investigações em curso seria capaz de desconhecer os vínculos entre uma coisa e outra.
Atribua-se a um apagão circunstancial de vossas excelências o esquecimento do “caixa geral de propina” que a empresa arquitetou para o pagamento de tais subornos e distribuição de vantagens em troca dos negócios escusos com a estatal do petróleo.
O estarrecedor é que a mesma Segunda Turma já havia decidido por unanimidade, há menos de seis meses, que existiriam sim elos entre as duas pontas. A nova conclusão é ainda mais surpreendente diante do fato de que esse mesmo pedido foi negado por quatro vezes no mesmo processo, pela mesma turma, ao longo do ano passado.
Com um agravo: o que estava em questão na discussão na terça-feira 24 era um mero embargo de declaração e nessas circunstâncias não é revisto o mérito. Os embargos se limitam a sanar dúvidas, inexatidões ou corrigir omissões sem a mudança de votos.
O que os três ministros, Toffoli, Lewandowski e Mendes, enxergaram de novo para virar radicalmente o posicionamento é de um mistério semelhante ao das pirâmides do Egito. Vários juristas ironizaram avaliando a reviravolta como um gol de mão, em impedimento, após o tempo regulamentar.
Tamanha incongruência que tende a colocar um malfeitor notório fora do xadrez, o nomeado chefe da quadrilha responsável pelo maior furto estatal de todos os tempos, por um lado expõe a fragilidade de convicções de vossas excelências.
Por outro, reforça a impressão de um certo autoritarismo do judiciário, que tomou para si o papel de mandar e desmandar a reboque de interpretações distorcidas da Lei.
Ao fazer e desfazer sentenças os ministros criaram um clima de incerteza e tumultos desnecessários e, de quebra, podem macular, irreversivelmente, suas próprias reputações.
Um vexame.
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