editorial do Estadão
Não deveria ser tão difícil compreender a necessidade de retirar do
Estado atividades que podem muito bem ser desempenhadas pelo setor
privado. No caso mais recente, o da polêmica em torno da venda do
sistema Eletrobrás, por exemplo, não se trata somente de atender a
objetivos imediatos, isto é, fazer caixa para enfrentar o rombo fiscal e
livrar-se de um sorvedouro de recursos públicos que poderiam ser usados
para as verdadeiras prioridades nacionais. A venda da Eletrobrás, bem
como da maioria das estatais, deveria ser encarada, antes de qualquer
uma dessas importantes considerações, como a consequência natural da
adoção da racionalidade econômica na gestão e no planejamento do
governo, preservando os interesses do conjunto dos cidadãos, no longo
prazo, em detrimento das conveniências políticas e materiais imediatas
de grupos organizados de oportunistas que historicamente se servem dos
haveres dos brasileiros.
Apesar dessa meridiana obviedade, boa parte da opinião pública do País
ainda resiste às privatizações graças a uma sistemática campanha de
desinformação e sabotagem levada adiante por partidos e movimentos que
se apoderaram de pedaços do Estado e deles não abrem mão. Essa campanha
foi bem-sucedida até aqui em convencer parte da opinião pública de que o
Estado deve não apenas participar de diversas áreas nas quais a
iniciativa privada atua, mas, se possível, deve exercer o monopólio dos
setores considerados “estratégicos” – termo flexível o suficiente para
caber em qualquer definição ao gosto ideológico do freguês. Pouco
importa se há dinheiro suficiente para tamanha ambição, considerando-se
os múltiplos deveres atribuídos ao Estado pela Constituição.
São tão insidiosas essas organizações de parasitas que nem mesmo as boas
iniciativas tomadas com vista a pelo menos reduzir-lhes a influência
nas estatais parecem funcionar. É o caso, por exemplo, da Lei das
Estatais, aprovada em 2016 com o objetivo justamente de limitar a
influência do mundo político nessas empresas, transformadas, em vários
casos, em verdadeiras extensões dos partidos que lhes indicavam os
diretores. Foi graças a essa sem-cerimônia que se construiu a estrutura
do assalto à Petrobrás, mas esse caso, malgrado seu alcance singular na
história, está longe de ser o único.
A Lei das Estatais impôs requisitos mínimos para o preenchimento dos
cargos de administradores das empresas. Pretendia-se, assim, acabar com a
indicação de apaniguados de partidos governistas, que ali trabalhavam
apenas para atender aos propósitos eleitoreiros de seus padrinhos,
quando não participavam de esquemas de desvios diversos. No entanto,
mesmo com a nova lei em pleno vigor, os partidos continuam a ter voz na
nomeação de diretores, como revelou recente reportagem do Estado a respeito da Eletrobrás.
Um levantamento do jornal mostrou que, em 13 das principais empresas do
grupo, todos os dirigentes atendem aos requisitos exigidos pela Lei das
Estatais, mas ainda assim estão lá como apadrinhados de parlamentares de
partidos da base aliada. São justamente esses políticos que representam
hoje o principal obstáculo à privatização da Eletrobrás.
Em ano eleitoral, nenhum desses partidos ou parlamentares pretende abrir
mão de seus feudos dentro de uma estatal que está presente com força em
todo o País, numa área crucial. Há várias formas de utilização política
da Eletrobrás. Uma delas é a atuação como patrocinadora de eventos
esportivos e culturais, que dão visibilidade a seus promotores. Outra é a
antecipação de obras sem urgência, mas com potencial para render votos.
Essa turma se considera dona da Eletrobrás e de outras estatais, razão
pela qual não aceita vendê-las. Como explicou Adriano Pires, diretor do
Centro Brasileiro de Infraestrutura, “essas empresas já estão
privatizadas há muito tempo pelos políticos e sindicatos”.
É essa força retrógrada que flexiona seus poderosos músculos sempre que o
governo se dispõe a reduzir seu butim estatal – e parece não haver lei
boa o suficiente para lhe conter o apetite.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
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