por Carlos Alberto Sardenber O Globo
Estamos perdendo a noção do ridículo. Só pode ser isso. Estamos tratando
como normais certas situações — na política, na economia, no Judiciário
— que são simplesmente ridículas.
Querem começar pelo Judiciário? Serve. Observem esta ementa do Superior
Tribunal de Justiça, emitida em 20 de junho de 2012. Depois de repetir
que se tratava da análise de embargos de declaração, um sobre o outro,
conclui negando o último deles, “embargo de declaração no agravo
regimental no recurso especial”. Não é gozação.
Tratava-se de um caso simples. Um servidor aposentado do governo de
Goiás que pretendia voltar ao trabalho na mesma administração estadual. O
primeiro recurso chegou ao STJ em abril de 2008, negando a volta ao
emprego. Seguiram-se oito embargos de declaração e três recursos e
agravos, todos negados por unanimidade nas turmas. Mas a coisa só
terminou em agosto de 2012.
Ocupou tempo de magistrados, a burocracia dos tribunais, para repetir a mesma decisão 11 vezes.
Esqueçam os termos jurídicos, o formalismo. É simplesmente ridículo.
Vamos para a política? É até difícil escolher, mas considerem o
presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira. Na terça, a Polícia
Federal deu uma batida no gabinete, na casa e nos escritórios do
parlamentar. Entre outras coisas, encontrou R$ 200 mil em dinheiro vivo.
O senador tem três inquéritos no âmbito da Lava-Jato e é acusado de ter
ameaçado uma testemunha, um ex-assessor.
O partido, o antigo PP, é o principal freguês da Lava-Jato. Lembram-se
do Paulo Roberto Costa, o primeiro diretor da Petrobras a ser apanhado
no petrolão? Pois então, era indicação do PP.
Joesley Batista diz ter a gravação de uma conversa em que combina entregar uma mala de R$ 500 mil para o senador.
E sabem o que aconteceu com o PP nesse tempo todo? Mudou o nome para
Progressistas e, no troca-troca partidário, recebeu o maior número de
deputados federais. Chegou a 50.
Ocorre que o partido controla três ministérios, mais a Caixa Econômica.
Ou seja, vagas e verbas. O senador Ciro Nogueira ainda distribuirá o
dinheiro do Fundo Partidário que vai financiar as campanhas eleitorais.
Progressistas? Ridículo, não é mesmo?
Pode um partido assim e um senador assim continuarem no controle de boa parte do governo? Dizem: qual o problema?
No dia das batidas, o senador, acompanhado da esposa, estava em “missão
oficial” no exterior, o que significa pago com o seu dinheiro, caro
leitor. E sabe o que ele mandou dizer ao advogado? Fica tranquilo.
Aí já não é mais ridículo, é gozação com a gente.
Mas, certamente, foi ridícula a decisão de três ministros da Suprema
Corte — Suprema! — ao determinar que as delações da Odebrecht a respeito
da compra do prédio do Instituto Lula e da reforma do sítio de Atibaia
sejam retiradas dos processos que correm em Curitiba sobre o quê? O
prédio e o sítio.
Dizem os ministros Gilmar Mendes, Lewandowski e Dias Toffoli que essas
delações não têm nada a ver com a corrupção na Petrobras, caso que está
na corte do juiz Moro. Logo, as delações devem ir para a Justiça Federal
de São Paulo, onde não corre nenhum processo a respeito.
Reparem: na delação, o pessoal da Odebrecht afirma ter participado do
petrolão e que os recursos ilícitos ali gerados eram distribuídos, entre
outras pessoas, a Lula, propina materializada no prédio e no sítio. Os
dois casos foram apurados pela Lava-Jato de Curitiba, processados na
Justiça Federal de lá, depoimentos tomados, provas colhidas — e aí vêm
os três magistrados dizer que os processos ficam lá, mas não as delações
que tratam exatamente daquela corrupção.
Tentam recuperar um formalismo jurídico cuja função é simplesmente
anular processos. Assim: a prova existe, todo mundo sabe, mas a Justiça
não pode considerar.
Na delação, Emílio Odebrecht diz que preparou o sítio para Lula, que
estava na conta da propina. Nada a ver, decidem os três juízes.
Esqueçam o Direito. É simplesmente ridículo.
Querem uma na economia? Temos. O cadastro positivo, a relação dos bons
pagadores, cuja função, provada em outros países, é aumentar as
garantias na concessão de crédito.
E, pois, reduzir os juros ao tomador final.
Tem um projeto tramitando no Congresso, há anos. Opositores dizem que o
cadastro é contra os pobres, as pessoas mais simples, que ficarão
excluídas.
De onde tiram que “gente simples” é caloteira? O cadastro, onde existe,
exclui, principalmente, os ricos caloteiros, os que dão grandes calotes.
Mas estão dizendo que o cadastro positivo é coisa da direita neoliberal.
O Congresso está nisso há anos. E ainda esgoelam contra os juros altos.
Ridículo.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
extraídaderota2014blogspot
0 comments:
Postar um comentário