Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

"O país em estágio de emergência sanitária",

editorial O Globo

Surtos de febre amarela no interior de Minas, do Espírito Santo e de São Paulo, numa rota em direção ao litoral, já são um fato muito grave em si. Quando o colocamos no contexto da sequência de outros surtos de doenças transmitidas por mosquitos, a situação piora.

A febre amarela, no passado relacionada a florestas distantes, entra em cidades depois da volta da dengue ao Rio, na década de 80, transmitida pelo Aedes aegypti. Em seguida, houve a migração do mosquito e da doença para outros estados, até chegarmos ao ponto em que zika e chicungunha vieram se juntar à dengue, com um arsenal de efeitos colaterais perigosos, como a microcefalia em fetos.

E vem, agora, a febre amarela silvestre, que contamina macacos e, destes, a doença é passada para humanos por meio do mosquito Haemagogus. Mas não só: o Aedes também pode espalhar o vírus, mosquito que já infesta parte do país.

A questão é saber se as autoridades sanitárias estão aptas a enfrentar esta situação potencialmente muito grave. O GLOBO pediu ao Ministério da Saúde informações sobre o estoque de vacina para febre amarela. Não foi divulgado, por se tratar de assunto de “segurança nacional”. Este tipo de resposta costumava ser dado nos tempos da ditadura militar, e não funcionou. No governo Geisel, censuraram notícias sobre uma epidemia de meningite em São Paulo, e a doença se alastrou do mesmo jeito.

Na febre amarela, a vantagem é que a vacina tem grande eficácia. Mas, claro, precisa ser distribuída e aplicada. Especialistas, como Luiz Tadeu Figueiredo, da Faculdade de Medicina da USP localizada em Ribeirão Preto, interior paulista, região em que tem circulado bastante o vírus da doença, alertam que se o governo quer evitar a volta da febre amarela urbana, precisa se antecipar. Ou seja, vacinar.

O Plano Nacional de Imunizações (PNI), dizem médicos, pesquisadores, especialistas em geral, precisa ser revisto, para enfrentar a maior ameaça de volta da doença às cidades ocorrida em décadas. O presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Maurício Lacerda Nogueira, diz que não se vê nada igual desde 1930.

A ideia é que não apenas tome a vacina quem viaje para áreas catalogadas anteriormente como de risco. Por isso, a preocupação com a disponibilidade do medicamento. O também virologista Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, considerado um dos maiores especialistas do mundo em febre amarela, calcula que, quando há o risco de a doença se estabelecer, 90% da população do local precisam ser vacinados. Calcule-se o que isso pode significar em Rio e São Paulo.

Há uma longa história de incúria desde o combate a mosquitos e ratos iniciado por Oswaldo Cruz, no início do século passado, até a volta da ameaça da febre amarela. Compõe esta crônica trágica uma urbanização rápida acompanhada de um proverbial descaso com saneamento básico. Some-se a incapacidade de a população se conscientizar da necessidade de cuidados preventivos contra mosquitos.

O resultado é o que está aí. O governo federal precisa reconhecer a situação de emergência sanitária e considerar o combate a essas doenças transmitidas por mosquitos (arbovírus) tão prioritário quanto a recuperação da economia.



"O governo não paga ao governo", por Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Decreto de calamidade financeira permite que não se cumpra a LRF. É um decreto para legalizar um crime já praticado



Tempos atrás, recebi um convite para dirigir o lançamento de uma publicação de economia. 

A editora era a Manchete, e já corriam informações sobre a difícil situação financeira da empresa. Perguntei sobre isso a um dos diretores, que tratou de me tranquilizar: está tudo em dia, salários, papel; nós só não pagamos ao governo.

Muitas empresas viviam assim. Simplesmente não recolhiam impostos, nem pagavam os financiamentos obtidos em bancos públicos. Seguiam em frente fazendo negociação em cima de negociação, sempre com base nas boas relações com o governo de plantão.

Hoje ainda tem disso, mas a novidade está no setor público. Prefeitos e governadores usam cada vez mais a velha regra: não pagam ao governo. Ok, já faziam isso antes, mas a coisa tomou um volume insustentável.

Por exemplo: em 2005, o governo federal negociou dívidas das prefeituras com o INSS. Administrações não recolhiam a contribuição patronal e não repassavam ao INSS a contribuição recolhida dos empregados celetistas.

Quatro anos depois, o governo federal topou renegociar as dívidas antigas e as novas. Naquele ano, com dados mais precisos, a Receita Federal calculava que as prefeituras deviam R$ 14 bilhões à Previdência.

Pois sabem qual é a dívida hoje? R$ 100 bilhões.

E claro, as prefeituras não querem pagar. Em vez disso, começam a adotar a tática iniciada pelo governo do Rio, um decreto de calamidade pública financeira.

Isso tem se tornado tão comum que a gente nem repara mais no absurdo da situação. Mas deveria.

Calamidade pública, todo mundo sabe o que é. Chuvas, secas, uma baita epidemia. 

Nesses casos, os governos “decretam” a calamidade, instrumento que permite usar dinheiro não previsto no orçamento, podendo descumprir momentaneamente as regras de responsabilidade fiscal, que preveem punições para quem gastar além de determinados limites.

Já esse decreto de calamidade financeira é uma invenção nacional. As finanças podem estar de fato em situação calamitosa, mas como se chegou a isso? Com a má gestão, com gastos em contínua elevação mesmo quando as receitas estavam em queda. Ou seja, total descumprimento das regras legais.

Ora, o que pretende o decreto de calamidade financeira? Permitir que a prefeitura ou o governo estadual não cumpram justamente a Lei de Responsabilidade Fiscal. É um decreto para legalizar um crime já praticado.

Administradores alegam que foram apanhados de surpresa pela crise econômica nacional, que derrubou a arrecadação de impostos. Como se fosse uma chuvarada repentina.

Ora, se já dá para prever e, pois, se prevenir do mau tempo, é muito mais fácil perceber que uma crise se aproxima e tratar de economizar nos gastos.

Não fazem isso. Continuam gastando e quando chegam ao limite, sem dinheiro para mais nada, decretam que não podem mesmo pagar. O primeiro a não receber é sempre o próprio governo: o INSS, a Receita Federal, os bancos públicos.

Assim, caímos numa farra fiscal, sequência de ilegalidades. Grave, pois a onda chegou ao STF. A própria presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, suspendeu o cumprimento de cláusulas contratuais entre a União e o Estado do Rio, proibindo que o governo federal bloqueasse R$ 370 milhões das contas estaduais. O dinheiro era para cobrir prestações de dívida que o Rio não pagara. O bloqueio está expressamente previsto na lei e nos contratos de renegociação de dívidas. Mais: a União não pode financiar os estados — financiamento que acontece quando perdoa pagamentos de prestações de dívida e concede empréstimo novo para unidade da Federação que não cumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ou seja, a ministra endossou uma ilegalidade. OK, a situação do Rio é calamitosa, mas se vale a regra de que o governo não precisa pagar ao governo, a calamidade vai se espalhar.

Aliás, a renegociação da dívida fluminense está travada exatamente por isso: falta base legal para a União suspender pagamento de dívidas antigas e fazer empréstimos novos.

Estão tentando dar um jeito — é complicado. Será preciso que o Congresso aprove uma lei complementar, criando um “regime de recuperação fiscal”, que permitiria financiamentos federais, da União e dos bancos, em troca de contrapartidas fiscais dos estados. Sem essa lei, a renegociação será crime contra a responsabilidade fiscal — algo que derrubou Dilma.
Se os diretores do Banco do Brasil, por exemplo, autorizarem empréstimos a estados falidos, sem a nova lei, cairão nas malhas do Ministério Público.

De todo modo, o mais importante, se algum acordo legal for conseguido, está não no refinanciamento, mas em como os governos estaduais e municipais vão fazer os ajustes. 

São as contrapartidas, as medidas efetivas de redução de gastos e ganhos de eficiência.

E um bom começo para ajeitar isso de modo legal e correto seria a ministra revogar aquela decisão. Pois se um estado pode não cumprir a lei e o contrato, os outros também podem, não é mesmo? E aí, caímos numa calamidade de verdade, quando os governos não pagam a mais ninguém, com decreto ou sem decreto.















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