editorial do Estadão
No próximo dia 20, o mundo assistirá a uma das mais inequívocas
manifestações de vigor da democracia no Ocidente: a transferência de
poder do atual presidente dos EUA para o seu sucessor. Trata-se de uma
transição particularmente significativa porque há muitos anos não se via
um contraste tão marcante entre o presidente que se despede e aquele
que assume, sobretudo após uma feroz campanha eleitoral que cindiu o
país ao meio e ensejou debates sobre a ética do jornalismo, do marketing
político e dos institutos de pesquisa.
Barack Obama deixa a Casa Branca após dois mandatos exercidos em um
período histórico bastante desafiador. Ao assumir a presidência em 2009,
Obama encontrou o país imerso na mais dramática crise econômica desde a
década de 1930. A recuperação econômica já seria uma missão dura o
bastante para um presidente com respaldo parlamentar. Com Obama na Casa
Branca, a tarefa adquiriu contornos dramáticos, dada a vigorosa
determinação dos republicanos de dificultar a adoção de medidas
propostas pelo governo.
Em geral, o democrata teve de lidar com a forte resistência do Congresso
– majoritariamente republicano – à implementação de sua agenda de
campanha. Uma das principais marcas adotadas por sua administração, a
universalização do sistema público de saúde – conhecida como Obamacare –
é o exemplo mais conhecido dessa queda de braço.
Na política externa, Obama recebeu uma pesada herança de seu antecessor,
George W. Bush, representada pelo recrudescimento dos conflitos no
Oriente Médio, as guerras no Iraque e no Afeganistão, o desenvolvimento
do programa nuclear iraniano, além das problemáticas relações com a
China e a Rússia. A saída precoce do Iraque e os erros estratégicos
cometidos na guerra civil da Síria – que propiciaram, entre outros
desastres, a ascensão do Estado Islâmico – podem ser apontados como os
maiores equívocos da política externa de Obama.
Primeiro presidente negro da história dos EUA, Barack Obama também
precisou lidar com tensões raciais que parecem jamais ter sido superadas
no país. Obama encarnou a esperança de cidadãos americanos e
estrangeiros – dada a extensão da área de influência dos EUA – em um
ambiente tensionado política e economicamente. Carismático, hábil
orador, Obama representou o auspício de uma nova era de diversidade,
tolerância, diminuição das desigualdades socioeconômicas e distensão de
renitentes conflitos sociais.
Obama conseguiu expressivas realizações em oito anos de poder, sobretudo
para um presidente que governou com uma oposição bastante atuante.
Entrega a seu sucessor um país melhor do que aquele que recebeu. Em
2009, a taxa de desemprego nos EUA beirava os dois dígitos. Hoje, apenas
4,7% dos americanos estão desempregados. Há oito anos, o PIB do país
era de US$ 14,4 trilhões. Donald Trump administrará uma economia de US$
17,7 trilhões, segundo a projeção do Federal Reserve (Fed) para o
resultado de 2016.
Há oito anos, vivia-se um momento de esperança com a ascensão política
de um jovem brilhante e carismático, visto como a pessoa certa à frente
da maior nação do planeta. Acreditava-se que temperança, inteligência e
capacidade de articulação eram os atributos mais esperados de um líder
às voltas com os complexos desafios de um mundo em ebulição. Àqueles
sentimentos, hoje, contrasta a apreensão diante do tom que Donald Trump
promete dar a seu mandato. O comportamento do republicano ao longo da
campanha eleitoral, sua agenda beligerante e isolacionista, além dos
disparates que propala sem freios, não são dados alvissareiros.
Em seu discurso de despedida, Barack Obama fez uma vigorosa defesa da
democracia, da igualdade e da tolerância. Mais do que um mero discurso
em tom de partida, suas palavras devem ser recebidas pelo chamado
Ocidente como um importante recado àqueles que têm o poder e a
responsabilidade de preservar o mundo livre tal como é chamado. Este
terá sido o seu maior legado.
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