Ives Gandra da Silva Martins: O Globo
Discute-se no momento se o atual presidente da Câmara dos Deputados,
Rodrigo Maia, poderá ser ou não reeleito para a presidência daquela casa
legislativa, em face de a estar exercendo há diversos meses, em
substituição ao presidente deposto, Eduardo Cunha.
Pretendo ater-me neste artigo exclusivamente ao texto constitucional e
especificamente ao parágrafo 4º do artigo 57 na redação da Emenda
Constitucional nº 50/06, cujo texto transcrevo:
“Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital
Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de
dezembro.
______
§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir
de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus
membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos,
vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente
subsequente”.
Esclareço, para evitar qualquer dúvida, que estive uma única vez com o
atual presidente em um congresso em São Paulo, com ele mantendo um
rápido debate, não tendo sido, por outro lado, contratado para elaborar
qualquer parecer a respeito, sendo, pois, esta a minha interpretação há
longos anos.
Esclareço, por outro lado, que li o parecer do eminente ex-ministro do
STF e das Relações Exteriores e antigo juiz da Corte de Haia, Francisco
Rezek, assim como o escrito anteriormente a sua nomeação para o Pretório
Excelso pelo preclaro ministro Luís Roberto Barroso. Li, também, as
considerações dos dois professores da Faculdade de Direito da USP,
Heleno Torres, professor titular, e Floriano de Azevedo Marques Neto,
professor doutor, o primeiro a favor da reeleição e o segundo, contra.
Não me aterei, portanto, a estes argumentos já conhecidos.
Pessoalmente, entendo que a reeleição é possível pela singela análise do dispositivo.
O que a Constituição proíbe é a reeleição daquele que foi eleito para
mandato de dois anos. A dicção constitucional é clara ao dizer que: a
eleição da Mesa Diretoria é por dois anos, e esta Mesa Diretora não pode
ser reconduzida para o mesmo cargo na eleição imediatamente
subsequente.
Não há qualquer manifestação do constituinte a respeito de mandatos complementares no que concerne à reeleição.
À evidência, o dispositivo contém uma norma permissiva (possibilidade de
eleição por 2 anos) e uma norma vedatória (impossibilidade de
recondução de quem foi eleito por dois anos).
Ora, na hermenêutica constitucional, toda a norma restritiva de direitos
não pode ser interpretada extensivamente, mas sim restritivamente, pois
o texto constitucional é assecuratório de direitos, e não amputador
deles por interpretações abrangentes, analógicas ou integrativas. Tais
técnicas exegéticas, se aplicadas à restrição de direitos, ensejariam
com sua adoção a redução do estado democrático de direito, prelúdio das
ditaduras.
No caso do deputado Rodrigo Maia, sua eleição ocorreu em condições
excepcionais para substituição do presidente deposto e com mandato de
poucos meses para que a Câmara dos Deputados não ficasse acéfala e
pudesse ser conduzida por quem escolhido fosse por seus pares.
Seria ilógico que se alguém sufragado nas urnas internas, como
competente para a elevadíssima função por alguns meses, mostrando-se um
bom condutor da Câmara — e não faço aqui juízo de valor, mas falo em
tese — não pudesse mais dirigir a Casa do Povo, embora o desejassem seus
companheiros de Legislatura!!!
A restrição, se adotada a interpretação extensiva, implicaria acréscimo
ao discurso constitucional da expressão “eleição por mandato de dois
anos” de outra, ou seja, “ou por período menor em caso de substituição
permanente”.
Parece-me, pois, que razão têm os eminentes professores Luís Roberto
Barroso, Francisco Rezek e Heleno Torres — escreveram como professores —
ao entenderem que, nestas hipóteses, a reeleição para presidente é
possível.
Minha opinião, portanto, é no sentido de que o deputado Rodrigo Maia,
presidente da Câmara dos Deputados, que exerce mandato complementar,
pode ser reeleito, à falta de previsão vedatória por quem exerce mandato
por menos de dois anos, no artigo 57, parágrafo 4º da Lei Suprema.
extraídaderota2014blogspot
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