Jornalista Andrade Junior

domingo, 22 de janeiro de 2017

"Incerteza endêmica",

por Monica De Bolle O Estado de São Paulo

“Em uma era em que todas as grandes ideias perderam credibilidade, o medo do inimigo fantasma é tudo o que restou aos políticos para manter o poder.”
Adam Curtis, no documentário The Power of Nightmares: The Rise of the Politics of Fear
Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo, proponente da tese de que a modernidade tornou-se fluida – normas sociais, instituições, comportamentos deixaram de ter forma sólida e passaram por processo de liquefação que se alimenta e retroalimenta da incerteza endêmica –, usou a citação acima para explicitar o conceito de que o mundo sem fronteiras prometido pela globalização é também mundo em que ansiedades indefinidas e medos fluidos tornam o comportamento humano errático.
O Brexit e a eleição de Donald Trump nos EUA seriam reflexos desse medo do desconhecido que se apoderou dos indivíduos em diversas partes do planeta. Brexit e Trump são sintomáticos do comportamento humano errático e fluido que busca soluções aparentemente fáceis para problemas complexos. Fechem as fronteiras, devolvam nossos empregos, expulsem os imigrantes, restaurem nosso grandioso passado, passado em que nossos líderes eram temidos e respeitados. A resposta a essas demandas dos dois lados do Atlântico é igualmente errática, embora pareça ousada e assertiva. Saiamos da União Europeia. Alteremos a ordem mundial, proclamando a Otan “obsoleta”, denunciando a UE como um “fracasso”, a China como “hostil”, o México como país que exporta “criminosos e estupradores”. Viva a Rússia. Entre o espetáculo de presumida força nos gestos, discursos e tweets de líderes anglofônicos esconde-se perigosa insegurança, o medo fantasma que assombra cidadãos que optaram por caminhos duvidosos.
Brexit. Theresa May proferiu aguardado discurso sobre como haverá de se dar a saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Insistiu que não mais farão parte os britânicos do mercado único europeu – contribuição de Margaret Thatcher –, mas que negociarão tratados de livre comércio com membros da UE. Afirmou com contundência que não aceitará imposição punitiva de membros da UE durante o processo de divórcio, que deve durar pelo menos dois anos. Revelou que o parlamento inglês dará a palavra final sobre os termos do Brexit quando forem apresentados no prazo de 24 meses. Entre tudo o que disse May foi a fala sobre o parlamento que deixou evidente a fragilidade e a insegurança – a fluidez – dos planos. Qual o destino do Brexit se daqui a dois anos o parlamento decidir que os termos do acordo não são palatáveis? Ninguém sabe, nem a própria Theresa May. É possível que se a economia britânica estiver mal daqui a dois anos, os defensores do Brexit – não os políticos, mas a população – mudem de ideia. Fluidez, afinal, é a marca da modernidade. Nesse caso, o governo de May acabaria, como acabou o de David Cameron. É igualmente possível que se o parlamento decidir que o acordo negociado com a UE não atende aos interesses da Grã-Bretanha, a Organização Mundial do Comércio seja forçada a impor as novas regras que deverão prevalecer. Ninguém sabe o resultado disso.
Trump. Donald Trump tonar-se-á presidente dos Estados Unidos no fim desta semana em meio a protestos generalizados e a um nível de desaprovação histórico nas transições de poder americanas. Desde que foi eleito, provocou tensões diplomáticas, derrubou o peso mexicano, brigou publicamente com celebridades e membros do Congresso, induziu volatilidade nas ações de empresas automotivas, farmacêuticas e fabricantes de aeronaves, mexeu com o dólar. Depois de defender a introdução de um imposto transfronteiras, pilar da reforma tributária Republicana, agora afirma que isso seria “muito complicado”, salientando que suas relações com o Congresso serão tão impetuosas quanto seu dedo nervoso no twitter.
Tempo líquido, tempo de incerteza maligna, tempo de medo indefinido, tempo de insegurança endêmica. Tempo, tempo, tempo, tempo: entro num acordo contigo, por seres tão inventivo, e pareceres contínuo.

*Economista, é pesquisadora do Peterson Institute For International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

















extraídaderota2014blogspot

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