editorial do Estadão
Como escrito há dias em nota intitulada A importância dos partidos políticos,
a existência de legendas partidárias, pessoas jurídicas de direito
privado “unidas em torno de um núcleo de princípios e ideias”, responde à
necessidade do “aprimoramento, a difusão e a aplicação efetiva das
ideias e propostas que circulam fecundamente numa sociedade”. Essa é a
teoria. Sobre a prática nos ensina a leitura do noticiário político em
geral e, no momento, o relativo à próxima eleição da nova Mesa Diretora
da Câmara dos Deputados. Os interessados nessa eleição, candidatos ou
não, aproveitam o recesso parlamentar para procurar colegas em seus
rincões de origem e com eles discutir fraternalmente, olho no olho, o
assunto com o qual quase todos eles estão prioritariamente preocupados:
nomeações para cargos e funções públicas.
Não faltam na pauta política temas relevantes como o reajuste fiscal, as
reformas partidária, da Previdência e tantas outras. Há até mesmo a
questão da política a ser executada pelo futuro presidente da Câmara
diante dos projetos do governo que já estão ou serão submetidos à
apreciação dos parlamentares. Sobre essas questões, porém, não se extrai
nem uma mísera linha das notícias relativas à sucessão no comando da
Câmara dos Deputados. A grande maioria dos representantes do povo quer
saber, antes de qualquer outra coisa, que cargo vai ocupar na nova Mesa
Diretora ou nas comissões fixas ou especiais da Casa, ou como fica
aquela sua indicação para a diretoria daquela estatal ou ainda para a
chefia daquela repartição federal em seu reduto eleitoral. A regra é
clara: quem não dá cá, não toma lá. É para isso que serve a maioria dos
partidos políticos brasileiros, fundados apenas com o objetivo de
permitir que seus dirigentes compartilhem dos recursos públicos.
A proliferação indiscriminada de partidos políticos sem um mínimo de
representatividade popular, que servem apenas a interesses escusos de
chefetes inescrupulosos, é mais um dos graves defeitos da Constituição
de 1988. Tendo a intenção de acabar com o autoritarismo por mais de 20
anos imposto ao País pelo regime militar, os constituintes não cuidaram
de calibrar adequadamente o sistema de freios e contrapesos que deve
balizar, no sistema democrático, a separação, a independência e a
harmonia dos Poderes. A legitimidade da representação popular que
preenche cargos do Legislativo e do Executivo fica comprometida quando
aos partidos políticos é permitido comportar-se à margem de “princípios e
ideias” e atender a interesses escusos. Quando a contaminação do
sistema partidário por esses interesses excede certos limites, a
desarmonia e o consequente entrechoque de poderes coloca toda a
sociedade diante do desafio de mudar o sistema para recuperar a
seriedade e o equilíbrio.
A quem possa duvidar da gravidade da situação política num país em que
já lutam por espaço e por cobiçados recursos públicos 35 legendas
partidárias basta atentar para o fato de que, neste exato momento, o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra 50 pedidos de criação de
novos partidos, como mostrou reportagem do Estado.
Chega a ser paradoxal o fato de que se pretenda criar tantas novas
legendas exatamente no momento em que a classe política atinge níveis
altíssimos de desprestígio e repúdio, em boa parte como consequência dos
escândalos de corrupção sob investigação pela Operação Lava Jato e
congêneres.
Esse fenômeno da corrida pela criação de tantas novas legendas
partidárias pode ser explicado pela conjugação de dois fatores, além de
uma legislação eleitoral inadequada: o baixo nível de informação e
formação dos eleitores de modo geral e a convicção que têm os picaretas
que enxergam na política um atalho para vencer na vida de que essa
situação perdurará por muito tempo.
A imposição democrática de freios ao domínio desse tipo de picaretagem
na política é um objetivo que pode ser em boa medida alcançado pela PEC,
já aprovada pelo Senado, que estabelece cláusula de desempenho para a
habilitação do acesso dos partidos a recursos do Fundo Partidário e ao
horário eleitoral gratuito. Ninguém sabe dizer, porém, quando a Câmara
dos Deputados se disporá a examinar essa proposta. É aí que mora o
perigo.
EXTRAÍDADEROTA2014BLOGSPOT
0 comments:
Postar um comentário