Demétrio Magnoli:Folha de São Paulo
Diante de cada notícia de mortes e massacres em penitenciárias, lembro de Bruno Júlio, o ex-secretário de Juventude de Temer. Sua esperança de termos "uma chacina por semana" vai se realizando -e, acostumando-nos com elas, aproximamo-nos um pouco mais da barbárie.
Falar de direitos humanos para Júlio e seus admiradores é perda de tempo.
Mas será que, além de moralmente imprestáveis, são ignorantes a ponto de não entender o efeito das chacinas? Não chegam nem mesmo a intuir que cada nova matança é um triunfo do crime organizado? Que elas expandem a influência das facções nos presídios, compelindo os detentos ainda fora de suas cadeias de comando a buscarem a proteção vital que o Estado lhes nega?
Diante das estatísticas do deficit prisional, lembro de José Eduardo Cardozo, o farisaico ministro da Justiça de Dilma. Dizendo o óbvio, Cardozo classificou a hipótese de permanência de Júlio como "uma afronta", mas calou-se sobre as 700 mil vagas faltantes nos estabelecimentos carcerários, como se nada tivesse com isso. A chacina de 2010 em Pedrinhas (MA) precedeu em três meses sua ascensão ao cargo de ministro.
Nos anos seguintes, sob seus olhos, mais de seis dezenas de presos foram mortos na mesma penitenciária. Durante a longa "era PT", o sistema prisional conheceu abandono similar ao dos demais bens públicos, na saúde, na educação e nos transportes, enquanto o governo "de esquerda" armava um modelo baseado no financiamento permanente do consumo privado. "Afronta", você disse?
Mas, diante dessas aterradoras estatísticas, lembro também de Alexandre de Moraes. O ministro da Justiça de Temer, um apadrinhado de Alckmin, dá as costas para as raízes da tragédia. Seguindo as pegadas de Cardozo, ele não esboça iniciativa alguma no rumo de reformas na legislação penal destinadas a impedir o aprisionamento em massa de pés-rapados, microtraficantes e aviõezinhos.
O Brasil ostenta, ao mesmo tempo, a quarta maior população carcerária do mundo e índices alarmantes de violência urbana. Contudo, insistimos na combinação de uma indústria de encarceramento de zé-ninguéns com uma mal disfarçada leniência frente ao crime organizado. Não é "afronta" converter as penitenciárias em campos de recrutamento do PCC, do CV, da ADA, da FDN e do PCN?
Diante da estimativa de que, nas cadeias abarrotadas, há cerca de 250 mil presos provisórios, lembro de uma extensa lista de advogados célebres, representantes legais dos réus do "mensalão" e do "petrolão", sempre prontos a denunciar violações reais ou imaginárias dos direitos de seus poderosos clientes.
Com honrosas exceções, esses paladinos do direito de defesa retraem-se a uma distante indiferença quando se trata da sorte de pobres diabos trancafiados longamente à espera de julgamento ou do alvará de soltura após cumprimento de sentença. É que aprendemos, pela direita e pela esquerda, a distinguir cuidadosamente as "pessoas incomuns" das "pessoas comuns".
Não há como evitar associações significativas. Diante das evidências de que, em diversas penitenciárias, o poder deslocou-se das autoridades para as facções, lembro de Marcelo Odebrecht e Lula.
Se, nesses anos de verde-amarelismo patrioteiro, o Estado foi privatizado e as empresas estatais entregues a bandidos VIP, por que os presídios não seriam cedidos aos bandidos ordinários? Em Alcaçuz (RN), a polícia negociou com o PCC a operação de transferência de presos.
Da segurança pública à segurança nacional: a partir das penitenciárias "privatizadas", a Família do Norte, afiliada ao CV, e o Primeiro Comando do Norte, afiliado ao PCC, disputam o controle das rotas do narcotráfico nas fronteiras amazônicas. Colômbia, México? Temos um pouco de cada um, mas ainda fingimos que o alarme não soou.
Os presídios em chamas formam uma galeria de retratos do Brasil.
extraídaderota2014blogspot
0 comments:
Postar um comentário