Elenilce Bottari, Gustavo Goulart e Rafael Nascimento - O Globo
Uma hora após ter encerrado seu plantão na maternidade do Hospital municipal Rocha Faria, em Campo Grande, a enfermeira Aline de Paula Ferreira, de 31 anos, estava de volta à unidade, na noite de segunda-feira. Chegou em uma ambulância, com uma bala alojada na cabeça. Atingida durante um assalto, ela morreu enquanto era atendida por colegas, que, incrédulos, não seguraram o choro.
Casos como o de Aline viraram uma rotina carioca: um levantamento da Secretaria de Saúde mostra que, em apenas quatro hospitais municipais — Miguel Couto, na Gávea;
Souza Aguiar, no Centro; Salgado Filho, no Méier; e Lourenço Jorge, na Barra —, a média é de uma pessoa baleada atendida a cada oito horas. Foram 1.133 no ano passado, o que corresponde a um aumento de 57,36% em relação a 2015 (quando foram registradas 720 internações de vítimas de disparos de armas de fogo).
Entre os quatro hospitais, o recordista de atendimento a baleados em 2016 foi o Salgado Filho, que recebeu, em média, mais de um por dia: 504, no total.
MÉDICO VÊ QUADRO AINDA PIOR
O médico Rodrigo Gavina, especialista em medicina de guerra, diz que a estatística impressiona, mas não retrata a verdadeira gravidade do quadro.
— Temos de levar em consideração que, na estatística, não estão incluídos dados de outros hospitais públicos e privados da cidade do Rio. Os do estado, por exemplo, recebem muitos baleados. E vale destacar que 90% das pessoas atingidas por disparos de fuzis morrem na rua, sequer são levadas para emergências — afirma Gavina, acrescentando que casos de pacientes baleados sobrecarregam as unidades de saúde, já que precisam de mais tempo de tratamento e exigem atendimento imediato, o que provoca o adiamento de cirurgias de outras pessoas.
Além de assaltos, confrontos fazem parte da rotina do Rio. Apesar disso, o Instituto de Segurança Pública (ISP) deixou de contabilizar casos de balas perdidas no estado. Segundo especialistas em segurança pública, esses dados poderiam ajudar as polícias Civil e Militar a traçar estratégias de combate ao porte ilegal de armas nas áreas mais violentas. O último relatório foi feito em 2012.
A presidente do ISP, Joana Monteiro, diz que ocorrências de balas perdidas continuam sendo estudadas, mas com uma abordagem diferente.
— A gente tem uma gestão muito dedicada à letalidade violenta, essa é a principal questão a ser estudada no Rio. O Instituto de Segurança Pública faz um esforço maciço de georreferenciamento de todos os casos de letalidade violenta no Rio. Estamos finalizando um estudo de motivação de homicídios. Fizemos uma amostra representativa da letalidade na Região Metropolitana, olhamos os inquéritos e identificamos, em uma amostra de 470 casos, que 1% foram casos de bala perdida. O principal motivo dos homicídios no Rio é o tráfico de drogas — argumenta Joana. — Mas sabemos a importância do problema (das balas perdidas). A última pesquisa de vitimização feita no Rio, em 2007, revelou que o maior medo do cidadão fluminense é ser atingida por uma.
CIENTISTA POLÍTICA PEDE ESTUDOS
Para a cientista política Sílvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Candido Mendes, o ISP deveria retomar os estudos sobre balas perdidas:
— O Estado do Rio tem a polícia que mais mata, a que mais morre e a que mais coloca em risco a população. Saber onde está a maior incidência de balas perdidas ajudaria no diagnóstico e no combate ao problema.
Nesta terça-feira, o GLOBO mostrou que, em um levantamento concluído na semana passada, o ISP constatou um recorde na quantidade de fuzis apreendidos: foram 371 em 2016, o maior número desde o início da contagem anual, em 2007.
extraídaderota2014blogspot
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