José Paulo Cavalcanti Filho:
Nego, um cão labrador, era o mais amado companheiro de Dilma no Palácio
da Alvorada. Era também devoto, fiel e simpático. Mas não lhe acompanhou
na viagem a Porto Alegre. Porque foi assassinado (segundo os coxinhas). Ou sacrificado (segundo o PT). Para mim, tanto faz. A morte, palavras de Alberto Caeiro (“Ficções de Interlúdio”), é mesmo o desprezo do Universo por nós.
A explicação oficial, desprovida de qualquer emoção, é que “estava
muito velho e doente”. Ou talvez tenha sido apenas algo mais prático.
Seco. Direto. Só para não dar trabalho na mudança. Seja como for, os
funcionários que cuidavam dele ficaram consternados – porque “Nego tinha
condições de sobrevida digna, até sua morte natural”.
É pena. Por se tratar de um amigo do homem. O melhor deles, segundo
muitos. Cão não trai. Não delata. Gosta só por gostar. Sem outros
interesses. E jamais abandona seu dono. Por mais velho ou doente que
esteja esse dono. A recíproca não é verdadeira. Pelo menos em palácios
brasilienses. Das notícias dos últimos dias, essa me consternou mais que
todas. Sentimentalismo fora de moda, dirão muitos. E talvez seja, quem
sabe? Ou sinal dos tempos. Nossas crianças, de manhã, trocam o futebol
com vizinhos por encontros com amigos distantes que nunca verão. Ocupam
suas tardes perseguindo seres imaginários. E gastam suas noites presos
em pequenos quartos de apartamento. Presos em seus computadores. Nos
elevadores, ninguém mais fala com ninguém. Todos olham só para seus
celulares. Estamos perdendo humanidade. Temo que estejamos construindo,
tijolo por tijolo, uma Democracia da Solidão. Até no Alvorada.
O PT deve estar lamentando não poder mais contar com os serviços de Duda
Mendonça ou João Santana. Os dois, coitados, nas mãos de Moro –
parceiros que foram, por vias transversas, na roubalheira da Petrobrás. É
que, continuassem assessorando Dilma, e jamais permitiriam essa morte.
Com certeza sugeririam que melhor seria deixar o cão por lá. Explicando
ter sido aquele palácio, por toda vida, sua casa.
Imaginei, nesse caso, o que aconteceria se Temer tivesse que decidir
qual seria o destino de Nego. Se faria, então, o que Dilma fez – até
poderia, sem maiores constrangimentos, dado nunca terem convivido. Pior
ainda se tivesse a coragem de dar, para o fato, a explicação que ela
deu. Sem alma. Gélida. Inacreditável. “Estava muito velho e doente”.
Assim fosse e, dia seguinte, veríamos nos jornais declarações
previsíveis – de PT, CUT, MST e blogs que, durante tempo demais,
engordaram com a grana fácil do governo. “Temer não gosta de velhos”.
“Temer abandona os doentes ao léu”. “Temer prenuncia sua reforma na
previdência – vai ser contra velhos e doentes”. “Temer, racista, não
gosta de Nego”. “O cão morreu por conta do nome; que, se chamasse
Branco, e seria poupado”. Por aí.
Conclusão, maior prejudicado nisso tudo foi o pobre Nego. Dilma está
bem. E corre até o risco de ser candidata. Se quiser. Ou se o Supremo
deixar. Nego não, que foi assassinado(ou sacrificado). Como dizia Pessoa (“Em busca de Beleza”), A vida é só o esperar morrer. Coitado de Nego. Coitado de nós.
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