por Flávia Piovesan O Globo
Desde o julgamento pelo STF do mensalão (Ação Penal 470), de agosto de
2012 a março de 2014, acerca do esquema de corrupção na compra de votos
de parlamentares, resultando na inédita prisão de líderes políticos,
parlamentares e banqueiros, o Brasil passa por uma profunda
transformação pautada pela independência do Judiciário e pela
consolidação do Estado de Direito — e de sua máxima “ninguém está acima da lei”.
Após o mensalão, a Operação Lava-Jato, em dois anos de atuação,
compreendeu investigações que levaram, até o momento, a 93 condenações
(por crimes de corrupção, formação de organização criminosa e lavagem de
ativos), 49 acordos de delação premiada, cinco acordos de leniência com
empresas e à devolução aos cofres públicos de R$ 2,9 bilhões pelos
investigados, bem como a repatriação de R$ 659 milhões, mediante 97
pedidos de cooperação internacional. O total de ressarcimento pedido
pelo Ministério Público Federal a empreiteiras e ex-diretores da
Petrobras alcança R$ 21,8 bilhões. Uma vez mais, o sucesso e a eficácia
da Lava-Jato — tal como ocorreu no mensalão — estão condicionados à
independência judicial e ao fortalecimento do Estado de Direito; eis que
a lei passa também a incidir no — até então, intocável e impenetrável —
poderio econômico e político. Note-se que, neste ano, o Brasil caiu
sete posições no ranking de corrupção da Transparência Internacional, da
69ª a 76ª posição — a maior queda entre os 168 estados pesquisados.
O balanço destas profundas transformações do Brasil decorrentes do
julgamento do mensalão e agora da Operação Lava-Jato lança sete lições
para a necessária mudança da cultura política no Brasil:
1) Assegurar o pluralismo político, a liberdade de expressão, a
liberdade de imprensa, o respeito e a tolerância, por meio do diálogo
livre e desarmado, com pleno respeito às posições diversas, superando a
temerária e nociva polarização do “eu” versus “o outro”, a compor um
antagonismo binário intolerante;
2) garantir o diálogo pacífico, em que as mais diferentes vozes tenham
escuta, sem o recurso à violência, lembrando que no Estado de Direito a
força do direito deve sempre prevalecer em detrimento do direito da
força;
3) combater a corrupção, com eficácia, não seletividade e independência
institucional, com estrita observância à legalidade e aos direitos e
garantias constitucionais, já que na democracia jamais os fins
justificam os meios — os meios sempre importam, requerendo um componente
democrático;
4) aprimorar os mecanismos de transparência e accountability como
instrumentos essenciais à democracia, que demanda transparência e
publicidade, não sendo compatível com a opacidade do poder;
5) fortalecer a sociedade civil e sua capacidade reivindicatória, com
incessante e obstinada vigilância do regime democrático, prosseguindo
com sua pauta de demandas por ética na política — há que se aprender com
o insucesso do caso italiano, em que a ascensão de Berlusconi se deu
justamente com a descontinuidade da Operação Mãos Limpas, cujo apoio
popular teve vida curta, sob a certeza que não é sustentável apenas a
“revolução dos juízes”;
6) fortalecer a institucionalidade democrática, com a capacidade de
evitar que a conduta antiética de integrantes de uma instituição (como o
Parlamento), ainda que em um universo expressivo, jamais comprometa a
integridade da instituição — o que alimentaria a nefasta tradição
caudilhista da região latino-americana, quando um único líder se vê
depositário da imensa frustração popular (o que levou ao desastroso
“berlusconismo” na experiência italiana, fruto do fracasso da operação
anticorrupção Mãos Limpas, gerando ainda uma forma mais sofisticada de
corrupção, difusa e de difícil combate);
7) lutar pela tríade Estado de Direito, democracia e direitos humanos,
mediante um pacto suprapartidário republicano, com uma agenda
propositiva de reformas envolvendo a necessária e tão aguardada reforma
política (com a redução da influência do poderio econômico nas
eleições); a maior transparência na gestão da coisa pública com o pleno
direito ao acesso à informação; o controle social dos poderes públicos; o
fim do foro privilegiado por ser instituto incompatível com o Estado
Democrático de Direito; dentre outras relevantes medidas.
No atual momento, contudo, o maior desafio é buscar serenidade,
equilíbrio e lucidez como condição, requisito e pressuposto para o
amadurecimento democrático e para a necessária mudança da cultura
política do Brasil, na luta por maior transparência,
ética, accountability, controle público e fortalecimento das instituições democráticas.
Flávia Piovesan é professora de Direito da PUC/SP e procuradora do Estado de São Paulo
extraídaderota2014blogspot
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